quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Deixando 2009 para trás...

Despeço-me de 2009 embebecido por uma reflexão do escritor uruguaio Eduardo Galeano que diz assim:
"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar".
Temos um encontro marcado em 2010. Logo depois da chuva de prata... renovados! Então, não faltem, pô!
[Fotos: Ruivo Lopes | Relógio do Conjunto Nacional]

Augusto Boal vive na gente!


Augusto Boal era múltiplo: dramaturgo, criador do Teatro do Oprimido, homem de ação política, escritor, brasileiro, latino-americano e universal. Em ação, Boal transformou o teatro contemporâneo para jogar com a cena, de modo que todos também pudessem participar do jogo. Morreu em 2 de maio de 2009, no Rio de Janeiro, deixando um legado generoso e solidário para com os oprimidos. Libertar-se é transgredir, dizia ele. Por isso Boal vive! Leia trechos do Dossiê Augusto Boal, publicados na revista Vintém n. 7, da Companhia do Latão.

Da palestra proferida por Augusto Boal no Fórum de Arte Social da Cooperativa Paulista de Teatro, no Teatro Studio 184, em São Paulo, no dia 12 de setembro de 2008:

"Você só aprende quando ensina. Da mesma forma, você só ensina quando aprende."

"Ele [O Teatro do Oprimido] se aparenta mais a uma árvore, que não se desenvolveu sozinha, não aguentaria. É necessário que todos os galhos se convertam em troncos; se convertam em multiplicadores, para que se possa continuar a desenvolver. Por isso é que é um teatro de conversão, de auto-conversão."

"Podemos conversar, falar, sem a palavra. Fazemos esses exercícios de imagem para evitar que a palavra entre cedo demais e - pelo poder avassalador que ela tem - liquide com a capacidade de pensamento sensível do grupo."

"Podemos interferir [no processo de criação] ajudando as pessoas."

"A peça apresenta o problema cuja solução não sabemos."

"O teatro sempre foi perigoso e ainda é."

"Nós aprovamos 13 leis, todas vindas de discussões teatrais, através do procedimento do Teatro Legislativo, feito na rua, nos sindicatos, nas igrejas, escolas. Onde quer que fôssemos, a gente falava: 'Olha, está aqui uma lei, o que vocês acham?'"

"Temos que sensibilizar novamente as pessoas para aquilo que sofrem e não estão percebendo."

"O teatro nos serve para mudar a sociedade. Sr cidadão é transformar essa cidade. Não apenas viver nela, mas transformá-la. Cidadão verdadeiro é isso: 'Está ruim? Vamos mudar, vamos brigar, vamos fazer.'"

Da entrevista realizada após a palestra de Boal no Fórum de Arte Social da Cooperativa Paulista de Teatro:

"Uma das consequências de muita ditadura em cima, é que você fica pessimista. Mas é necessário tempo."

"O Teatro do Oprimido nunca termina quando acaba. O que acaba é o espetáculo, é o evento. Aí temos que fechar a sala, apagar a luz, ir para casa. Isso acaba. Evento. Mas o que a gente busca não é o evento: é a transformação social."

"A minha contribuição é no teatro. O essencial é o ser humano. O que interessa são as pessoas. Eu acredito que todo mundo é artista porque as primeiras manifestações do ser humano são todas de ordem estética, sensorial. A palavra é um meio de transporte."

"É a prática, é o combate que faz o herói."

O Dossiê reúne ainda uma série de artigos de dramaturgos sobre o fazer teatral de Augusto Boal. Acesse a revista Vintém no sítio da Companhia do Latão. Visite também o novo sítio do Centro do Teatro do Oprimido.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Leite Derramado e o Brasil de contrastes


Acabo de ler Leite Derramado, o mais recente livro de Chico Buarque. Confesso que mais ouvi Chico que li. Embora eu tenha dado um salto na sua obra literária (já tinha lido seus textos para o teatro e com exceção de Estorvo, pulei os outros do gênero), percebo que Chico está muito a vontade com a forma intencional dada a Leite Derramado. Um romance memorialista, de família, que mergulha nas entranhas da nossa história para nos mostrar a herança deixada pelo velho Brasil de contrastes. A seguir, trechos que selecionei:


Memória
"A memória é uma vasta ferida".
"Parece uma moça digna apesar da origem humilde".
"A memória é deveras um pandemônio, mas está tudo lá dentro, depois de fuçar um pouco o dono é capaz de encontrar todas as coisas".
"Dá preguiça vasculhar a memória".

Decadência
"Hoje sou da escória igual a vocês, e antes que me internassem, morava com minha filha de favor numa casa de um só cômodo nos cafundós. Mal posso pagar meus cigarros, nem tenho trajes apropriados para sair de casa. Do meu último passeio, só me lembro por causa de uma desavença com um chofer de praça. Ele não queira me esperar meia horinha em frente ao cemitério São João Batista, e como se dirigisse a mim de forma rude, perdi a cabeça e alcei a voz, escute aqui, senhor, eu sou o bisneto do barão dos Arcos. Aí ele me mandou tomar no cu mais o barão, desaforo que nem lhe posso censurar. Fazia muito calor no carro, ele era um mulato suarento, e eu a me dar ares de fidalgo. Agi como um esnobe, que como vocês devem saber, significa indivíduo sem nobreza".

Brasis
"Perguntou pela procedência do cordeiro, magnífico, e sem esperar resposta farejou toques africanos no tempero, como em tudo o mais aqui no Brasil".
"Seria exibida pelo amante nos salões de Paris, como séculos atrás uns índios tupinambás na corte francesa, encantaria a metrópole com seu maxixe, seu francês esdrúxulo e sua beleza mestiça".

Passado e Presente
"Se com a idade a gente dá para repetir certas histórias, não é por demência senil, é porque certas histórias não param de acontecer em nós até o fim da vida".

Acesse o sítio de Chico Buarque e veja toda a obra do autor em canções, literatura, teatro e cinema. Se preferir, visite o sítio de Leite Derramado e leia o primeiro capítulo.