segunda-feira, 28 de abril de 2014

Leituras do cárcere: o direito humano à literatura das pessoas privadas de liberdade

Alexandre Facciola

Desde 2012, projeto reduz pena de detentos por meio da leitura; veja quais são os livros mais lidos nas penitenciárias

Por Alexandre Facciolla para a Revista Educação

No Brasil, a educação prisional está garantida por lei. Os mais de 500 mil detentos existentes no país têm direito às salas de aula dentro dos presídios e a cada 12 horas de freqüência escolar de qualquer nível (fundamental, médio, profissionalizante ou superior), o preso tem um dia de pena remido. Desde 2012, entre os projetos voltados à recuperação e reinserção social, está a remição de pena por meio da leitura.
O projeto transforma a leitura em uma extensão da produção de trabalho intelectual, que já caracterizava a remição de pena por dias de estudo. Os detentos têm acesso a mais de cem livros comprados pelo governo e, a partir dessa seleção, eles têm de 21 a 30 dias para ler um livro e escrever uma resenha que, se adequada aos parâmetros da lei, como circunscrição ao tema e estética, subtraem quatro dias da pena. Ao todo, os detentos podem remir até 48 dias apenas com as leituras. A possibilidade, no entanto, ainda é restrita a penitenciárias federais de segurança máxima.
Após um ano de vigência da lei que regulamentou o projeto, dados coletados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) revelam os hábitos de leitura nos presídios. Foram feitas 2.272 resenhas, sendo 1.967 aceitas, que resultaram em um total de 7.508 dias remidos. Entre os dez livros mais lidos e resenhados estão “A menina que roubava livros”, em primeiro lugar, e “O Pequeno Príncipe”, em décimo (veja lista completa abaixo).
Na opinião do coletivo de incentivo cultural Perifatividade, o projeto é uma oportunidade de os detentos ampliarem seu universo e perceberem novas dinâmicas de como analisar o mundo, além de ser um incentivo à educação. Para Ruivo Lopes, um dos coordenadores do coletivo, é impossível dissociar a aprendizagem da leitura. “Atividade cultural chega a ser luxo em ambientes prisionais”, afirma. “Temos que entender o livro como ferramenta pedagógica. Se a ação pedagógica não tem um plano, os livros vão ficar empoeirados”, avalia.

Censura
“A leitura é um direito fundamental do preso e faz parte de uma longa luta por direitos humanos para os detentos”, aponta a juíza Kenariki Boujikian, cofundadora da associação Juízes para a Democracia. Ela lembra que o fato de a leitura estar atrelada à remição é fruto de muita luta de entidades interessadas, e lamenta que entraves de natureza moral impeçam a circulação de qualquer obra.
Segundo Marcus Vinícius Villarim, coordenador-geral de tratamento penitenciário do Depen, a escolha dos títulos que entram ou não nos presídios está atrelada a uma “cultura de inteligência institucionalizada”, que une quesitos morais e religiosos para barrar determinadas obras. “Eu vivo sempre questionando essa mentalidade, que tem resquícios autoritários”, pontua.
Existe uma preocupação em relação a títulos que abordam temas considerados tabu, como livros eróticos ou que poderiam incentivar a violência. O critério de escolha das obras, no entanto, fica a cargo dos conselhos de cada unidade prisional. “Uma gestão progressista tem uma visão mais ‘arejada’. Se você tem uma direção mais conservadora, a tendência é que os títulos sejam mais controlados”, afirma Ruivo Lopes. Para ele, essa é uma forma equivocada de olhar para a literatura. “Tem que ter acesso a todos os livros, se não o preso tem seu senso crítico cerceado”, completa. Na opinião da juíza Kenariki Boujikian, essa prática caracteriza censura. “Se está publicado na praça, porque não pode estar na cadeia?”, questiona.

Fundação Casa
Na Fundação Casa, que abriga jovens infratores de até 17 anos, os problemas para acesso a bens culturais são basicamente os mesmos: censura, falta de políticas públicas de incentivo e espaço. Apesar de o Estado não considerar como presos os menores infratores, e o Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), documento que regulamenta o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), prever um máximo de três anos no programa de reinserção social, a condição de apenado é muito parecida com a dos adultos.
A Revista Educação teve acesso à unidade de Atibaia, no interior de São Paulo, onde teve início, em 2013, um projeto de clube do livro. Segundo o diretor pedagógico, Gustavo Gato, “dos 42 adolescentes internos, 38 aderem à leitura. Já no CIP (Centro de internação provisório), dos 19 adolescentes, nove são leitores”, afirma.
Segundo a assistente social e psicóloga da unidade, Rosane Arcangelo, “muitos chegam sem leitura alguma”. Ela percebeu que há um efeito de incentivo no clube. “Um menino começa a ler porque o outro está se dando bem [nos estudos] e porque não quer ficar de fora”, acredita.
Os adolescentes têm, contudo, acesso a poucos livros e variedade. A maior parte dos títulos é de ordem religiosa, autoajuda ou paradidáticos. Com alguma sorte é possível encontrar obras que fogem desse estereótipo, como “O Jogador”, de Fiódor Dostoievsky.
Vendo a biblioteca da Fundação Casa da Vila Leopoldina, onde lecionava, entregue ao mofo e a outras intempéries, o professor Rafael Limongelli resolveu franquear sua própria, na qual os meninos, segundo palavras dele mesmo, “devoraram os livros”. “Chegou uma hora que todos os meus livros estavam emprestados”, diz. Segundo ele, como a demanda era grande, os meninos se alternavam nas leituras que ele conseguiu prover com sua biblioteca. Liam desde “Crime e Castigo”, de Dostoievisky – segundo o professor, a palavra “crime” no título servia como um chamariz de curiosidade – até livros de pintura e artes.
Assim como nas penitenciárias federais, a censura a livros que podem ser considerados violentos ou eróticos é replicada na Fundação Casa. “Tropa de Elite não entra”, diz um dos seguranças. Por quê? Segundo a administração, esse tipo de leitura pode gerar “mau comportamento”.
“Esse ranço moral para com esse tipo de literatura não se justifica”, avalia o Dr. Roberto da Silva, professor da Faculdade de Educação da USP e membro do conselho curador da Fundação Casa do estado de São Paulo. A partir da institucionalização da visita íntima, “o acesso a esse tipo de bibliografia [erótica] se torna uma necessidade, pois eles precisam ser instruídos”, afirma.
No caso de uma literatura tida como violenta, a análise que a aponta como estimulante para condutas ilegais ou imorais também tem pouco respaldo técnico. “Em um ambiente de criminalidade, a leitura não os incentivará [a esses atos], mas os ajudará a simbolizá-los”, argumenta o psicanalista e professor Alcimar Alves de Souza Lima. Para ele, uma leitura com elementos de agressividade pode inclusive diminuir sua incidência, pois promove uma “subjetivação e simbolização de seus próprios atos”, explica.
Por outro lado, nenhum outro livro é tão presente em ambientes prisionais como um dos maiores best-sellers do mundo: a Bíblia.

“Só a Bíblia, né, senhora?”
Segundo Kenariki Boujikian, “a Bíblia é o único livro que os encarcerados mirins podem levar para o quarto”. Inseguro sobre o que deveria responder sobre os livros que poderia ler no quarto, um dos adolescentes pergunta para a professora: “só a Bíblia, né, senhora?”. Qualquer outra literatura se restringe aos poucos momentos de leitura a que os jovens têm acesso. Por isso mesmo, eles acabam usando o livro sagrado do Cristianismo para guardar fotos da família, cartas e outros objetos pessoais.

Os best-sellers das prisões
1. A menina que roubava livros – Markus Zusak
2. O menino do pijama listrado – John Boyne
3. O caçador de pipas – Khaled Hosseini
4. Nunca desista dos seus sonhos – Augusto Cury
5. Apanhador no campo de centeio – J. D. Salinger
6. O futuro da humanidade – Augusto Cury
7. A cabana – William P. Young
8. O vendedor de sonhos – Augusto Cury
9. Os espiões – Luis Fernando Verissimo
10. O pequeno príncipe – Antoine de Saint-Exupéry

Fonte: Departamento Penitenciário Nacional. Dados divulgados em julho de 2012 referentes às penitenciárias federais

Presos lêem (e escrevem) mais
Entre as décadas de 1970 e 1980, os advogados dos presos faziam mutirão de leitura em prisões, sistema que foi substituído pelo teatro engajado nos anos 1990. O resultado é que o número de encarcerados alfabetizados aumentou, contando 80% entre 18 a 30 anos, aponta o professor Roberto Silva, especialista no assunto. Segundo ele, “no ponto de vista da escrita entre pessoas presas e livres, os presos escrevem melhor que as pessoas livres da mesma idade. O hábito de escrever cartas e diários para o preso é único”.
Para o professor Roberto Silva, os livros que os presos lêem dentro do RDD não são os que escolheriam por vontade própria. “Os presos, no afã de se beneficiar da remição, cumprem a obrigação de ler aquilo que é dado nas mãos deles”. No caso dos adolescentes, “é rara a leitura de romances; resume-se a livros paradidáticos fornecidos pelo MEC e secretaria da cultura”, aponta. Como tecnicamente os presos da Fundação Casa não são considerados apenados, suas leituras não são atreladas a uma diminuição de pena.
Para a doutoranda em literatura pela UnB (Universidade de Brasília) Maria Luzineide Ribeiro, a remição pela leitura é um incentivo. “A leitura ganha uma nova significação, surge como uma necessidade”, diz. Docente por quase 20 anos nas penitenciárias do Distrito Federal, Luzineide pesquisou, durante o mestrado, como os presos se relacionavam com a literatura. Mesmo não contando com um projeto específico para remição por leitura, ela aferiu que os presos liam dez vezes mais que as pessoas livres. Segundo dados da última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de 2011, o brasileiro lê em média quatro livros por ano. Apenas duas das obras por completo. Os apenados do Distrito Federal, segundo aferiu a professora, chegam a ler 40 livros por ano.
São 60 educadores para atender 12 mil presos em penitenciárias do Distrito Federal. Destes, apenas 10% estudam e 20% têm acesso ao trabalho. Na unidade em que focou sua pesquisa, Maria Luzineide constatou um terço de leitores entre 2.400 apenados. Uma das maiores dificuldades é que os apenados “queriam espaços pra compartilhar sua leitura e não tinham”. Ela acredita ter aberto essa possibilidade, além de um passo importante para a institucionalização da remição por leitura no estado.
“Os relatos deles é que se sentiam em outro lugar, se afastavam dos problemas, de confusão”. Por parte dos policiais, o preso que lê “é visto como alguém que quer mudar. É uma pessoa mais preparada para o trabalho, para estudar”. E conclui: “Independente de remição ou não, eles continuam lendo”. 


Reportagem publicada originalmente em: Revista Educação.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

1964+50: Memória e Poesia da Resistência!



Nesta quinta-feira (24), às 19h, vou participar junto com Marco Escrivão, diretor do documentário Memórias da Resistência, da atividade do CEU Paraisópolis, zona sul de SP, em memória aos 50 anos da resistência ao golpe civil-militar. Se há 50 anos, a ditadura interrompia um ciclo de avanços sociais e populares, hoje as maldita-duras promovidas pelas policias interrompem o ciclo da juventude negra e pobre, espalhando o terror nas periferias. Na roda, poemas de ontem que anunciavam o presente, versos de hoje mas que poderiam ser do passado. Participe!


No dia 01 de abril, em São Paulo, ocorreu o Desfile do Cordão da Mentira. Depois da concentração em frente ao DOPS de São Paulo passou-se por locais que simbolizam o apoio civil à ditadura, como a sede da Tradição Família e Propriedade.

domingo, 20 de abril de 2014

Saudade e solidão da América Latina






O escritor Gabriel García Márquez (1928-2014) deixará muita saudade. Saudade, essa palavra tão pretuguesa, sentida no fundo do peito pelos povos indígenas, estalada na boca e salivada de sal dos mares e dos doces das matas dessa imensa América Latina. América Latina, Latíno-america, seus povos, suas paixões. Sua imensa terra retalhada e regada a sangue servido nos cálices dos donos do poder. A febre da solidão é a saudade. Solidão imortalizada pelo escritor que nasceu na aldeia de Aracataca, na Colômbia, e morreu na última quinta, 17, no México. Dizem que Márquez sofria de perda de memória... de tantas que tinha. Se vivesse mais cem anos, faltariam dias e noites para que todo dia fossem-lhe lembrá-lo de uma. 

Ao receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1982, Márquez fez o que um sujeito habilidoso das letras, da imaginação e da consciência comprometidas com sua imensa América Latina, faria. Deu prova da existência humana, oferecendo um imenso poema!

Não é um discurso!

A Solidão da América Latina
Por Gabriel García Marquez:

Antônio Pigafetta, um navegante florentino que acompanhou Magalhães na primeira viagem ao redor do mundo, ao passar pela nossa América meridional escreveu uma crônica rigorosa, que, no entanto, parece uma aventura da imaginação. Contou que havia visto porcos com o umbigo no lombo, e uns pássaros sem patas cujas fêmeas usavam as costas dos machos para chocar, e outros como alcatrazes sem língua cujos bicos pareciam uma colher. Contou que havia visto um engendro animal com cabeça e orelhas de mula, corpo de camelo, patas de cervo, relincho de cavalo. Que puseram um espelho na frente do primeiro nativo que encontraram naPatagônia, e que aquele gigante ensandecido, perdeu o uso da razão pelo pavor de sua própria imagem.

Este livro breve e fascinante, no qual já se vislumbram os germes de nossos romances de hoje, que está longe de ser o testemunho mais assombroso da nossa realidade daqueles tempos. Os cronistas das índias nos legaram outros, incontáveis. O El Dourado, nosso país ilusório tão cobiçado, apareceu em inúmeros mapas durante longos anos, mudando de lugar e de forma de acordo com a fantasia dos cartógrafos. Na procura da fonte da Eterna Juventude, o mítico Alvar Núñez Cabeza de Vaca explorou durante oito anos o norte do México, numa expedição lunática cujos membros se comeram uns aos outros, e dos 600 que começaram só restaram cinco. Um dos tantos mistérios que nunca foram decifrados é o das onze mil mulas carregadas com cem libras de ouro cada uma, que um dia saíram de Cuzco para pagar o resgate de Atahualpa e nunca chegaram ao seu destino. Mais tarde, durante a colônia, em Cartagena das Índias eram vendidas umas galinhas criadas em terras de aluvião, em cujas moelas apareciam pedrinhas de ouro. Este delírio ao áureo de nossos fundadores nos perseguiu até há pouco tempo. No século passado, a missão alemã encarregada de estudar a construção de uma estrada de ferro interoceânica no istmo do Panamá concluiu que o projeto era viável, desde que os trilhos não fossem feitos de ferro, que era um metal escasso na região, e sim de ouro.

A independência do domínio espanhol não nos pôs a salvo da demência. O general Antonio López de Santana, que foi três vezes ditador do México, mandou enterrar com funerais magníficos a perna direita que perdeu na chamada Guerra dos Bolos. O generalGarcía Moreno governou o Equador durante dezesseis anos como um monarca absoluto, e seu cadáver foi velado com seu uniforme de gala e sua couraça de condecorações sentado na poltrona presidencial. O general Maximiliano Hernández Martínez, o déspota teósofode El Salvador que fez exterminar numa matança bárbara 30 mil camponeses, tinha inventado um pêndulo para averiguar se os alimentos estavam envenenados, e mandou cobrir de papel vermelho a iluminação pública para combater uma epidemia de escarlatina. O momumento do general Francisco Morazán, erguido na praça principal de Tegucigalpa, na realidade é uma estátua do marechal Ney, comprada em Paris num depósito de esculturas usadas.

Há onze anos, um dos poetas insignes do nosso tempo, o chileno Pablo Neruda, iluminou este espaço com a sua palavra. Nas boas consciências da Europa, e às vezes também nas más, irromperam desde então com mais ímpeto que nunca, as notícias fantasmagóricasda América Latina, essa pátria imensa de homens alucinados e mulheres históricas, cuja tenacidade sem fim se confunde com a lenda. Não tivemos, desde então, um só instante de sossego. Um presidente prometeico, entrincheirado em seu palácio em chamas, morreu lutando sozinho contra um exército inteiro, e dois desastres aéreos suspeitos e nunca esclarecidos ceifaram a vida de outro de coração generoso, e de um militar democrata que havia restaurado a dignidade de seu povo. Neste lapso houve cinco guerras e dezessetegolpes de Estado, e surgiu um ditador luciferino que em nome de Deus leva adiante o primeiro e etnocídio da América Latina em nosso tempo. Enquanto isso, 20 milhões de crianças latino-americanas morreram antes de fazer dois anos, mais do que todas as crianças que nasceram na Europa Ocidental desde 1970. Os desaparecidos pela repressão somam quase 120 mil: é como se hoje ninguém soubesse onde estão os habitantes da cidade de Upsala. Numerosas mulheres presas grávidas deram à luz em cárceres argentinos mas ainda se ignora o paradeiro de seus filhos, que foram dados em adoção clandestina ou internados em orfanatos pelas autoridades militares. Por não querer que as coisas continuem assim, morreram cerca de duzentas mil mulheres e homens em todo o continente, e mais de cem mil pereceram em três pequenos e voluntários países da América Central - Nicaragua, El Salvador e Guatemala. Se fosse nos Estados Unidos, a cifra proporcional seria de um milhão e 600 mil mortes violentas em quatro anos.

Do Chile, país de tradições hospitaleiras, fugiram um milhão de pessoas: dez por cento de sua população. O Uruguai, uma nação minúscula de dois milhões e meio de habitantes e que era considerado o país mais civilizado do continente, perdeu no desterro de um cada cinco cidadãos. A guerra civil em El Salvador produziu desde 1979, quase um refugiado a cada 20 minutos. O país que poderia ser feito com todos os exilados e emigrados forçados da América Latina teria uma população mais numerosa que a da Noruega.

Eu me atrevo a pensar que esta realidade descomunal, e não só a sua expressão literária, que este ano mereceu a atenção da Academia Sueca de Letras. Uma realidade que não é a do papel, mas que vive conosco e determina cada instante de nossas incontáveis mortescotidianas, e que sustenta um manancial de criação insaciável, pleno de desdita e de beleza, e do qual este colombiano errante e nostálgico não passa de uma cifra assinalada pela sorte. Poetas e mendigos, músicos e profetas, guerreiros e malandros, todos nós, criaturas daquela realidade desaforada, tivemos que pedir muito pouco à imaginação, porque para nós o maior desafio foi a insuficiência dos recursos convencionais para tornar nossa vida acreditável. Este é, amigos, o nó da nossa solidão.

Pois se estas dificuldades nos deixam - nós, que somos da sua essência - atordoados, não é difícil entender que os talentos racionais deste lado do mundo, extasiados na contemplação de suas próprias culturas, tenham ficado sem um método válido para nos interpretar. É compreensível que insistam em nos medir com a mesma vara com que se medem, sem recordar que os estragos da vida não são iguais para todos, e que a busca da identidade própria é tão árdua e sangrenta para nós como foi para eles. A interpretação da nossa realidade a partir de esquemas alheios só contribuiu para tornar-nos cada vez mais desconhecidos, cada vez menos livres, cada vez mais solitários. Talvez a Europa venerável fosse mais compreensiva e se tratasse de nos ver em seu próprio passado. Se recordasse que Londres precisou de trezentos anos para construir a sua primeira muralha e de outros trezentos para ter um bispo, que Roma se debateu nas trevas da incerteza durante vinte séculos até que um rei etrusco a implantasse na história, e que em pleno século XVI os pacíficos suíços de hoje, que nos deleitam com seus queijos mansos e seus relógios impávidos, ensanguentaram a Europa com seus mercenários. Ainda no apogeu do Renascimento, ainda doze mil lansquenetes a soldo dos exércitos imperiais saquearam e devastaram Roma, e passaram na faca oito mil de seus habitantes.

Não pretendo encarnar as ilusões de Tonio Kröger, cujos sonhos de união entre um norte gasto e um sul apaixonado Thomas Mannexaltava há 53 anos neste mesmo lugar. Mas creio que os europeus de espírito esclarecedor, os que também aqui lutam por uma pátria grande mais humana e mais justa, poderiam ajudar-nos melhor se revisassem a fundo a sua maneira de nos ver. A solidariedade com os nossos sonhos não nos fará sentir menos solitários enquanto não se concretize com atos de respaldo legítimo aos povos que assumem a ilusão de ter uma vida própria na divisão do mundo.

A América Latina não quer nem tem porque ser um peão sem rumo ou decisão, nem tem nada de quimérico que seus desígnios de independência e originalidade se convertam em uma aspiração ocidental.

Não obstante, os progressos da navegação que reduziram tanto as distâncias entre nossas Américas e a Europa parecem haver aumentado nossa distância cultura. Por que a originalidade que é admitida sem reservas em nossa literatura nos é negada com todo tipo de desconfiança em nossas tentativas difíceis de mudança social? Por que pensar que a justiça social que os europeus desenvolvidos tratam de impor em seus países não pode ser também um objetivo latino-americano, com métodos distintos e em condições diferentes? Não: a violência e a dor desmedida da nossa história são o resultado de injustiças seculares e amarguras sem conta, e não uma confabulação urdida a três mil léguas da nossa casa. Mas muitos dirigentes e pensadores europeus acreditaram nisso, com o infantilismo dos avós que esqueceram as loucuras frutíferas de sua juventude, como se não fosse possível outro destino além de viver à mercê dos dois grandes donos do mundo. Este é, amigos, o tamanho da nossa solidão.

E ainda assim, diante da opressão, do saqueio e do abandono, nossa resposta é a vida. Nem os dilúvios, nem as pestes, nem a fome, nem os cataclismos, nem mesmo as guerras eternas através dos séculos e séculos conseguiram reduzir a vantagem tenaz da vida sobre a morte. Uma vantagem que aumenta e se acelera: a cada ano há 74 milhões de nascimentos a mais que mortes, uma quantidade de novos vivos suficiente para aumentar sete vezes, a cada ano, a população de Nova York. A maioria deles nasce nos países com menos recursos, e entre eles, é claro, os da América Latina. Enquanto isso, os países mais prósperos conseguiram acumular um poder de destruição suficiente para aniquilar cem vezes não apenas todos os seres humanos que existiram até hoje, mas a totalidade de seres vivos que passaram por esse planeta de infortúnios.

Num dia como o de hoje, meu mestre William Faulkner disse neste mesmo lugar: "Eu me nego a admitir o fim do homem". Não me sentiria digno de ocupar este lugar que foi dele se não tivesse a consciência plena de que pela primeira vez desde as origens da humanidade, o desastre colossal que ele se negava a admitir há 32 anos é, hoje, nada mais que uma simples possibilidade científica. Diante desta realidade assombrosa, que através de todo o tempo humano deve ter parecido uma utopia, nós, os inventores de fábulas que acreditamos em tudo, nós sentimos no direito de acreditar que ainda não é demasiado tarde para nos lançarmos na criação da utopia contrária. Uma nova arrasadora utopia da vida, onde ninguém possa decidir pelos outros até mesmo a forma de morrer, onde de verdade seja certo o amor e seja possível a felicidade, e onde as estirpes condenadas a cem anos de solidão tenham, enfim e para sempre, uma segunda oportunidade sobre a terra.

Agradeço à Academia de Letras da Suécia por haver me distinguido com um prêmio que me coloca junto a muitos dos que orientaram e enriqueceram meus anos de leitor e de celebrante cotidiano deste delírio sem remédio e que é o ofício de escrever. Seus nomes e suas obras se apresentam hoje para mim como sombras tutelares, mas também com o compromisso, frequentemente sufocante, que se adquire com esta honra. Uma dura honra que neles sempre me pareceu de simples justiça, mas que em mim entendo como mais uma dessas lições com as quais o destino costuma nos surpreender, o que fazem mais evidente nossa condição joguetes de um fatoindecifrável, cuja única e desoladora recompensa costuma ser, na maioria das vezes, a incompreensão e o esquecimento.

 Por isso é natural que eu me interrogasse, lá naquele bastidor secreto onde costumamos enfrentar-nos às verdades mais essenciais que conformam nossa identidade, a qual terá sido o sustento constante da minha obra, o que pode ter chamado atenção de forma tão comprometedora, desse tribunal de árbitros tão severos. Confesso sem falsas modéstias que não foi fácil encontrar a razão, mas quero crer que tenha sido a que eu gostaria. Quero crer, amigos, que esta é, uma vez mais, uma homenagem que é rendida à poesia. À poesia, por cuja virtude o inventário assustador das náuseas que o velho Homero enumerou em sua Ilíada está visitado por um vento que as empurra a navegar com sua tristeza intemporal e alucinada. À poesia, que retém, no delgado andaime dos tercetos de Dante, toda a fábrica densa é colossal da Idade Média. À poesia, que tão milagrosa totalidade resgata a nossa América nas Alturas de Macchu Picchu, de Pablo Neruda, o grande, o maior, e onde destilam sua tristeza milenar nossos melhores sonhos sem saída. À poesia, enfim, a essa energia secreta da vida cotidiana, que cozinha seus grãos e contagia o amor e repete as imagens nos espelhos.

Em cada linha que escrevo trato sempre, com maior ou menor fortuna, de invocar os espíritos esquivos da poesia, e trato de deixar em cada palavra o testemunho de minha devoção pelas suas virtudes de adivinhação e pela sua permanente vitória contra os surdos poderes da morte. Entendo que o prêmio que acabo de receber, com toda humildade, é a consoladora revelação de que meu intento não foi em vão. É por isso que convido todos a brindar por aquilo que um grande poeta das nossas Américas, Luis Cardoza y Aragón, definiu como a única prova concreta da existência do homem: a poesia.
 Muito obrigado.

Estocolmo, Suécia, 8 de dezembro de 1982.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Curso "De Teto e de Afeto: Estética, Moradia e Resistência", inscrições abertas!






































INSCRIÇÕES ABERTAS NO SÍTIO DA EDIÇÕES TORÓ: www.edicoestoro.net.

Chamamos pra estudar junto, vem? Não é evento nem espetáculo o caso. É lição com tição e sabor no saber. Estudar a moradia, seus cheiros de suor e de sonho. Estudar a quebrada de dentro pra fora, a história da cidade e seus subúrbios. Com necessárias didáticas e pedagogias. Vem estudar território, paisagem e ensino, refletir sobre quilombagem, feminismo e arquitetura, sobre várzea, letra e maloca com nossas mais velhas dando aula junto com pesquisadores de sangue no olho.

A luta por moradia entrança a resistência na rua e no peito, a construção da vida no puxadinho e no espelho, os pilares das paredes e dos gestos, a organização lenhosa ou serena do bairro e dos desejos do corpo.
A cama e a cozinha, regentes de tanta poesia e convívio, refletem e influenciam os passos e as políticas da praça pública. Da intimidade e do que vaza do portão, da privacidade e do que não se tranca com cadeado. Moradia é miragem, questionamento e trabalho.

Na história da cidade se acenderam muitos movimentos, coletivos e ocupações por um lar, por uma vila ou por um campinho. No cantinho do cômodo, no escadão e no quintal se educa e se mantém coloridas linhagens ancestrais.

Por necessidade bolamos revides ao que vem ditado de cima pra baixo, às leis de morte e de expulsão, às faxinas étnicas de território, às decisões oficiais de conchavo com os magnatas e latifundiários urbanos. Por precisão se arruma o filtro e a moringa, se banha de balde ou mangueira, se chora com a bica poluída e com o córrego apinhado de plástico.

Nas periferias, estilos de criar e de viver vão bailando a dignidade entre goteiras e azulejos, entre festinhas de quintal e vasinhos em beiral de janela, entre cafezinhos e bacias. Nos cortiços por décadas e décadas se desenhou a história de nossos álbuns de família. Nas canções entre o guarda-roupa e o banheiro mora a expressão que põe o público e o privado na massa da mesma fornada. Nos atos de ocupar, orar, brincar, bater palmas na porta, derrubar muro, xingar no portão, ligar fiação ou fechar pra dormir voga um universo de teto e de afeto. Razão de luta e movimentos da razão.

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03.05 | "Portas e varais: espaços geográficos e quebrada",
com Dona Dina (Anciã, moradora de Taboão há 50 anos) e Billy Malachias (Geógrafo e educador)

10.05 
| "Do pau à laje: uma história da moradia paulistana do baldio ao asfalto", com Seu Nelson (Coordenador do Movimento de Luta por Moradia, Centro) e Raquel Rolnik (Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e relatora da ONU sobre moradia)

17.05 
| "Arquiteturas de olhares e passos: entre aldeias e quilombos”, com Dona Neide Abati (União Popular de Mulheres do Campo Limpo) e Alex Ratts (Geógrafo e professor de antropologia da Universidade Federal de Goiás/UFG)

24.05 
| "Do acampamento ao Tekoha guarani: morando na semente do futuro”, com Jerá Guarani (Liderança e professora na aldeia Tenondé Porã) e Spensy Pimentel (Professor da Universidade da Integração Latino Americana/ UNILA)

31.05 
| "Ventando a cortina, batendo na mesa: guerra e afeto em feminino no Hip Hop”, com Sharylaine (Rapper desde 1986 , integrante da Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop ) e Jaqueline Lima Santos (Doutoranda na Unicamp, pesquisadora de Hip Hop)

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Aos sábados de maio - sempre das 14h às 17h00
No Espaço Clariô: Rua Santa Luzia, 96 - Taboão da Serra/SP
Veja como chegar aqui: http://goo.gl/maps/AE1KR
Gratuito para 45 participantes.
Inscrições
de 9 a 23 de abril de 2014.

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Articulação Pedagógica: Allan da Rosa & Ruivo Lopes
Concepção e Diagramação de Cartaz: Elaine Campos | Fotografia: Guma
Realização: Edições Toró, Teatro Clariô e 5º Elemento
Agradecimentos:  Às educadoras e educadores que vêm na graça e à comunidade que chega ou oferece atenção.

domingo, 6 de abril de 2014

1964 + 50: A mentira de ontem, a mentira de hoje!



 
Cordão da Mentira nas ruas do Centro de SP 
(Foto Joseh Silva/Carta Capital)


Por Mário Bentes e Leandro Fonseca
Especial para a Revista Babel e Jornal GGN


Foi diante da sede do antigo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), local símbolo da repressão do Estado durante o regime Civil-Militar contra os movimentos sociais, que quase dois mil ativistas se reuniram, na noite deste 1o. de abril.

O ato, chamado “Grande Desfil&scracho do Cordão da Mentira”, começou a tomar forma por volta das 18h, no Largo General Osório, no centro antigo de São Paulo. Com samba e batucada, o grupo protestou não apenas contra as iniciativas de “comemoração” aos 50 anos do Golpe que afundou o país em 21 anos de ditadura, mas contra o legado que ainda perdura – principalmente contra o subúrbio, os negros e os pobres.

“A Ditadura acabou, mas esqueceram de avisar a polícia”, bradou Débora Maria da Silva, representante do Movimento Mães de Maio, grupo criado como resposta a uma série de chacinas ocorridas em São Paulo em maio de 2006, e que tenta por fim à tática policial da “resistência seguida de morte”.

O discurso emocionado marcou a abertura do ato, ainda durante a concentração. Entre músicas e palavras de ordem, os participantes traziam informações referentes aos números de mortos nas periferias e as táticas mantidas pelas forças repressivas do Estado, nos tempos democráticos.

Em entrevista à reportagem após o discurso, Débora Maria da Silva disse ainda que o Cordão “lava a alma” e “desmascara a mentira”. “As Mães de Maio vêm aqui como símbolo da falsa democracia”. Além da desmilitarização das polícias, Débora afirma que é necessário haver uma reforma do Poder Judiciário.

“O [Poder] Judiciário é um dos que perpetuam a impunidade. Ele não age com um revólver que sai bala, mas sim com uma canetada”, afirma. Além disso, ela diz que as principais vítimas da polícia militarizada são pobres, negros e moradores das periferias, pois o Brasil é “produtor de Mães de Maio”. “Estamos fazendo o escracho e dizendo ‘nós estamos vivos, nossos mortos têm voz e estamos aqui para lutar por eles’”, diz.

Débora Maria da Silva, representante do Movimento Mães de Maio (foto: Mário Bentes).
Débora Maria da Silva, representante do Movimento Mães de Maio 
(foto: Mário Bentes)

“Ancestralidade”

“Podemos ir além e dizer que estão aqui também toda uma geração de ancestralidade. O genocídio nesse país não começou nem em 64, nem em 2006, ele é histórico, ele é da fundação dessas terras, desde os povos negros, os povos indígenas que sofreram. A história desse país deve ser contada pela luta dos povos e sua resistência, não pelas suas derrotas. Adolescentes cumprindo medida socioeducativa em unidades da Fundação Casa, em São Paulo, são constantemente agredidos, castigados e torturados”, afirmou Ruivo Lopes, também durante discurso.

“Numa recente tentativa de fuga, dois adolescentes foram encontrados mortos no Rio Tietê. Foi em 2014, não foi em 1964. Cláudia Silva Ferreira foi baleada por policiais militares no Morro do Congonha, onde morava. Mal socorrida na viatura, seu corpo foi arrastado e esfolado por 350 metros. Os policiais militares envolvidos na morte de Cláudia têm histórico de execuções sumárias e violência policial. Foi em 2014, mas poderia ter sido em 1964”, prosseguiu.

Quem também discursou foi Alípio Freire, jornalista, ex-preso político e diretor do documentário “1964 – Um Golpe Contra o Brasil”. Ele afirmou que o “terror do Estado” no país é antigo, estando presente em diversas épocas da história, como na Colônia, Império e República, e toma como “fundamental” a desmilitarização das polícias. “Nós sabemos que, desde o fim da ditadura até hoje, milhares de brasileiros foram assassinados nos campos e nas cidades. Nenhum assassinado nos Jardins, no Pacaembu, em Higienópolis ou no Morumbi”, diz.

Contra a mentira

Reiterando os discursos abertos, Thiago Brandimarte Mendonça, um dos organizadores do ato, também falou com a reportagem. “A força do cordão, está na forma como ele sai nas ruas. A batalha a partir da estética para ressignificar a política. Isso é tão poderoso que faz com que os grandes meios de comunicação prefiram ignorar o cordão, mesmo com milhares de pessoas nas ruas, semanas depois de dar uma ampla cobertura a uma esvaziando marcha de maníacos pedindo um novo golpe”.

Colocar frente à frente as ditaduras – a de 1964 e as que persistem até 2014 – é outro objetivo do ato realizado pelas ruas de São Paulo. “A força do cordão é de dizer que a ditadura não acabou e não vai acabar enquanto não enfrentarmos de frente os grupos econômicos e políticos que foram vitoriosos em 64 e que continuam no poder. Não enfrentarmos a forma como se manifesta a violência do Estado, que serve para manter o status quo”, conclui.

Escracho pelas ruas

Após a concentração no Largo General Osório, no centro antigo da capital, no Memorial da Resistência, o grupo seguiu pelas ruas ao som de samba e batucada, passando pelo 3º Distrito Policial e Largo do Paissandu – neste ponto, um momento de tensão: parte do grupo gritou palavras de ordem a um grupo de PMs que estava a postos em duas viaturas. Os policiais não reagiram, e, em seguida, entraram nas viaturas e saíram do local – para frenesi do grupo.

Ao longo do trajeto, os ativistas e foliões fizeram várias intervenções artísticas com forte teor político. A rua General Couto de Magalhães, por exemplo, foi rebatizada com o nome de Rua Carlos Marighella – nome de um dos líderes da resistência contra a Ditadura Civil-Militar no país, e que acabou morto em 1969 em uma emboscada.

A rua General Couto de Magalhães foi rebatizada: Rua Carlos Marighella (foto: Mário Bentes).
A rua General Couto de Magalhães foi rebatizada: 
Rua Carlos Marighella (foto: Mário Bentes)

Nomes como “MC Daleste”, funkeiro de apenas 20 anos que foi assassinado durante um show em Campinas, no ano passado; “Vladimir Herzog”, torturado e assassinado pela Ditadura, “Cláudia Silva Ferreira”, a moradora do Morro do Congonha que foi baleada pela PM e ainda teve o corpo arrastado por 350 metros. Todos eles foram grafados nas ruas e faixas de pedestres, como protesto contra a violência policial.

Tentativa de intimidação

Após a passagem do grupo pela Praça da República, de acordo com Thiago Brandimarte, houve o que ele classifica de tentativa de intimidação “ostensiva e desnecessária” por parte da Tropa de Choque da PM, que passou a acompanhar o grupo a parti dali.

“Respondemos formando um cordão de proteção a todos os manifestantes/foliões. Cordão que dançava e cantava em resposta à violência do Estado. Postura contrária à que a polícia teve na Marcha da Família, onde desfilaram juntos. A lógica era causar medo, mas ao contrário, fortaleceu o sentido de estarmos nas ruas”, disse.

Ativistas grafaram o nome de vítimas das ditaduras (foto: Mário Bentes).
Ativistas grafaram o nome de vítimas das ditaduras (foto: Mário Bentes)

Ainda assim, a adesão foi grande, tomando mais corpo à medida em que o grupo andava. Thomaz Barbeiro Gonçalves, de 24 anos, estudante de História da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), diz que o Cordão da Mentira tem a potencialidade de trazer a questão da violência estatal ocorrida no passado, na ditadura militar, e no presente, no assassinato de jovens pobres, negros e periféricos.

“A estrutura do Estado existe desde a época da ditadura civil-militar, que mantém as desigualdades muito fortes. A violência da periferia aumentou, mas muito em consequência pelo fato de não haver punição aos torturadores no passado”, afirma.

A instrutora de informática Sara Maria da Silva, 35, diz que ficou sabendo do evento através de um amigo, no Facebook. Para ela, o Cordão significa um protesto das camadas marginalizadas da sociedade. “O Cordão da Mentira é um basta do povo cansado, lutador, guerreiro, oprimido, do gueto, da favela, negro, GLS, o povo que corre pra ter o mínimo de dignidade e que está cansado de toda essa presepada que está ocorrendo em nossa política hoje”, conta.

O ato terminou por volta das 22h, após ainda passar pelo Elevado Costa e Silva, Rua Maria Antônia, ruas Sabará e Piauí e encerrar à frente da sede do enfraquecido grupo da TFP – Tradição, Família e Propriedade, organização que foi um dos pilares que ajudaram a formar o cenário do Golpe.


Publicada originalmente pela Revista Babel, em 2 de abril de 2014.


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