domingo, 27 de dezembro de 2015

Dicas de leitura e uma boa notícia!



Dicas de leitura! Há mais de uma década, a cena de saraus das periferias de São Paulo tem revelado inúmeros poetas, embora muitos ainda desconhecidos do público leitor. Mas isso não impede que estes poetas sejam vistos, ouvidos e muito prestigiados - ou considerados - nas noites de saraus em algum bairro da periferia da Cidade onde cada vez mais circuitos culturais independentes ou com apoio de recursos públicos atraem cada vez mais público. Quem já viu, ouviu e ficou impressionado com o poeta Helber Ladislau recitando - ou disparando -  e performando seus poemas, principalmente nos saraus da zona sul de SP, terá agora a oportunidade de ler seus poemas reunidos no livro "Poesias Negreiras" (Nós por Nós Editora, 2014). O livro reúne poemas longos e curtos e alguns aforismos secos, poéticos e cortantes. A apresentação fica por conta do Movimento Mães de Maio, responsável pela editora - que segue a tradição de publicar livros que traduzam a missão do Movimento que reúne familiares, principalmente mães de vitimas da violência praticada por agentes do Estado, principalmente policiais - , que já nas primeiras páginas diz "Helber é um guerreiro precioso e especial do nosso exército de filhos porretas. Um legado que conquistamos ao longo desses anos na luta por memória, verdade e justiça. Nosso poeta negro!". No prefácio, o também poeta Sérgio Vaz afirma que "Helber não é um poeta, ele é a poesia. Esses poemas impressos ja estavam impressos em nosso ouvidos, em nossas almas, desde quando ele começou a cravar sua poesia em nossos ouvidos". O formato do livro é no tradicional formato de bolso e o inconfundível projeto gráfico e ilustrações é de Silvana Martins, artista gráfica que assina outros projetos gráficos da editora e do Movimento Mães de Maio, além de edições de antologias de saraus. Destaque para o poema "Antonio", já conhecido pelos frequentadores de saraus. Ao ler os poemas publicados no livro, é impossível não ouvir a voz de Helber gravada na memória e ver sua performance, seu corpo inclinado, braços levantados no ar e mãos e dedos apontados para todas as direções. "Poesias Negreiras" é seu primeiro livro autoral. Adquira o livro direto com o autor aqui ou com a editora das Mães de Maio aqui. Recomendo, leitura indispensável!


"América Negra & outros poemas afro-brasileiros" do poeta piauiense Elio Ferreira, edição excepcional da Quilombhoje Literatura (2014). Elio publica desde o início dos anos 1980 e este é seu sétimo livro de poesia. Para a felicidade de quem aprecia a poesia e a poética negro e afro-brasileira, a edição de "América Negra" além do prefácio de Feliciano Bezerra e ensaios sobre o poeta e sua poética por Tania Lima e Derivaldo dos Santos, apresenta um conjunto de poemas inéditos e outros publicados há anos, mas também nos Cadernos Negros, outras edições e dispersos em antologias, revistas, etc. O lançamento de "América Negra", enche de cor, "orikis, cantos e canções, bigornas, martelos e tamores" a poesia feita no Brasil. Adquira direto com o autor: professorelioferreira@yahoo.com.br Leia e dê livros de presente! [Foto Elaine Campos]


"Confraria dos Perdedores & Outras Crônicas de 2ª" (Edições Incendiárias e Na Função Produções Artísticas, 2015), novo livro do escritor paulistano Walner Danziger. O livro reúne 44 crônicas, entre inéditas e publicadas semanalmente no blog  www.nasubidadomorro.wordpress.com, cuja verve é o subúrbio, o futebol, o samba, a memória e o verbo afiado de uma São Paulo crônica. Adquira direto com o autor: walnerdanziger@gmail.com Leia e dê livros de presente!



#SãoPauloCidadeLeitora O ano de 2015 foi importante para o livro, leitura, literatura e biblioteca na cidade de São Paulo. Após intensa mobilização e muita dedicação, o prefeito Fernando Haddad promulgou a Lei 16.333 proposta pelo vereador Antonio Donato​ (PT) e instituiu o Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca. É a primeira vez que SP conta com um Plano para fortalecer as políticas públicas para o livro, leitura, literatura e biblioteca na Cidade. O PMLLLB contou com a ampla participação num "processo participativo, democrático e popular" com o fim de "assegurar a tod@s o acesso ao livro, à leitura e à literatura" como direito humano. Conheça o Plano publicado sábado (19) no Diário Oficial da Cidade: http://goo.gl/buo8Ex

domingo, 13 de dezembro de 2015

Leiaí "Retratos de um cotidiano adormecido", novo livro de poesia de Hugo Paz



Leiaí! | O poeta Hugo Paz esta de volta com seu mais recente livro "Retratos de um cotidiano adormecido" (Editora Nelpa, 2014). Leiaí o que escrevi por ocasião do lançamento: "Poesia é síntese, poema é enredo e poeta é quem não permite amarras, principalmente na imaginação alheia. É assim que Hugo Paz apresenta seus poemas em 'Retratos de um cotidiano adormecido'. Os ‘retratos’ os quais se refere o poeta são alegorias provocadas por sentimentos contagiantes que sempre tem algo a mais para revelar a quem se entregar a seus poemas. Esse ‘algo a mais para revelar’ é um canal aberto pelo poeta, por onde deve passar toda a força dos seus poemas, para ir buscar em quem o ler o sentido necessário e decisivo para manter viva toda a sua poesia. Certos enredos soam familiares, porém, obrigam tanto o poeta quanto quem o ler a reivindicar para si o seu ‘cotidiano adormecido’. Do escândalo diário sucede também a calmaria. Neste livro, onde poemas curtos, quase pensamentos soltos, se avizinham de poemas mais versados, pés no chão, de asas abertas e preparados para voos altos, nasce mais uma vez o poeta".  Recomendo a leitura!

Livro: "Retratos de um cotidiano adormecido", 148 páginas
Gênero: Poesia
Autor: Hugo Paz
Editora: Editora Nelpa, 2014
Contato: hugopaz11@yahoo.com.br ou sintonizeapoesia@bol.com.br
Facebook: Hugo Paz

domingo, 6 de dezembro de 2015

Legado político e pedagógico das ocupações das escolas de SP

 
 Nas ocupações, alunos valorizam escolas contra um discurso de ataque à coisa pública

Legado político e pedagógico das ocupações das escolas de São Paulo já podem ser projetados, acreditam educadores

"Estudantes e comunidade nunca mais serão os mesmos"

Por Gisele Brito
Menos de 20 dias depois do início da primeira ocupação de uma escola estadual, em Diadema, o movimento de estudantes que tentam impedir o fechamento de 94 unidades de ensino segue forte em várias cidades de São Paulo. A ação obrigou o governo do estado a cancelar o Saresp nas escolas tomadas, mudar locais de provas da Fuvest e enfrentar uma contundente derrota no Judiciário, que entendeu que, de fato, faltou diálogo com estudantes e professores que sofreriam os impactos da medida e, por isso, as reintegrações de posse não seriam adequadas.

O governo ainda resiste em dar aos estudantes o que eles querem e insiste na "reorganização", inclusive gastando R$ 9 milhões para tentar encucá-la na população por meio de publicidade.

Dado o histórico pouco afeito ao diálogo do governador Geraldo Alckmin (PSDB), talvez, as escolas realmente sejam fechadas. Mas para educadores ouvidos pelo Observatório, as lições que ficam do movimento já são perenes.

Nas escolas ocupadas, os estudantes têm manifestado satisfação em aprender novos conteúdos a partir da experiência política, cultural e colaborativa. Eles assumem várias facetas do protagonismo. Além de terem de cuidar da rotina, o que inclui se reunir, deliberar e cuidar da segurança, alimentação, limpeza, programação, comunicação e solução de conflitos internos, ainda assumiram papel político de peso na atual conjuntura.

"É uma mobilização ímpar. Ultrapassa tudo que poderíamos pensar em planos de ensino", avalia a pedagoga e doutoranda em educação Crislei de Oliveira Custódio. "Mais que qualquer proposta construtivista, é uma experiência política de fato. Nas escolas construtivistas, há toda uma programação para o protagonismo, mas que acaba sendo um simulacro do que seria uma experiência democrática em um espaço público. Nesse caso, é mais interessante porque partiu dos alunos, eles estão se organizando nessas coisas cotidianas. Nas escolas construtivistas, ainda é preciso uma permissão do adulto, que decide o que será democratizado", pondera.

Para o educador Ruivo Lopes, da Ação Educativa, o movimento deixa claro que não se deve subestimar nenhuma criança ou adolescente ao se pensar em políticas públicas, especialmente na educação. "A mensagem que fica é que esses estudantes têm projeção de vida, desejos próprios e condições de intervir na sua própria realidade. Eles já venceram todo o aparato de subestimação", argumenta.

Os dois educadores ainda ressaltam como a iniciativa dos secundaristas é carregada de valorização das escolas, em um momento em que há um discurso deliberado contra as coisas públicas. A explicitação de um senso de pertencimento fortalece as unidades mobilizadas como equipamento público, fincado no coração das comunidades, que vão além da sala de aula. São locais de encontro, de troca, de lazer. Educativas em sentido muito mais amplo.

Além disso, o movimento conseguiu realizar um dos grandes objetivos de currículos escolares: trazer a comunidade para dentro da escola. Isso fica explícito na mobilização de pessoas para colaborar com aulas e oficinas, que têm mantido efervescente o ambiente das escolas ocupadas, mesmo nos finais de semana.

"Tanto já se falou em trazer as pessoas para a escola, usando festas, criação de conselhos e outros mecanismos. Sempre foi muito difícil, porque em geral a gente identifica como instituição do Estado e não como coisa pública, nossa. Um milhão de pessoas já escreveram sobre isso. E aí, numa coisa super de uma hora para outra, que não era um projeto do governo, se consegue", ressalta Crislei. "Fico pensando como serão essas escolas depois da ocupação. Certamente é um divisor de águas", aponta a pedagoga.

"Eles não voltam a ser os mesmos. E se as escolas derem espaço, elas serão transformadas para aquilo que sempre desejamos nos processos educativos", acredita Ruivo.

Publicado originalmente em: Observatório da Sociedade CivilRede Brasil Atual

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Meu amigo, Paulo Freire!



São Paulo, 2 de dezembro de 2015.

Meu amigo, Paulo Freire!

Espero que esta carta o encontre bem!

Na última vez em que eu o ouvi, fiquei muito comovido quando o senhor disse que estava muito cansado, embora estivesse muito feliz em estar vivo e morreria feliz em ver um Brasil em seu tempo histórico cheio de marchas, mas as “marchas dos que não tem escola, marcha dos reprovados, marcha dos que querem amar e não podem, marcha dos que se recusam a uma obediência servil, marcha dos que se rebelam, marchas dos que querem ser e estão proibidos de ser...”. Como o senhor mesmo disse, “as marchas são andarilhagens históricas pelo mundo”. Já se passaram alguns anos desde aquela última vez, de lá pra cá, toda vez que demos um passo o mundo saiu do lugar. 

O senhor, como sempre, me pondo a pensar. Como um homem que conheceu tão bem a nossa gente, que conviveu tanto com a nossa gente, que conversou tanto com a nossa gente, que pensou tanto com a nossa gente, que se dedicou a vida inteira a nossa gente, pudesse estar cansado... cansado e feliz? Afinal, é a tua gente o motivo da tua felicidade, amigo Paulo!

É por isso que os donos do poder atentam contra a tua gente, como se fôssemos uns “desabusados... destruidores da ordem”, quando na verdade afirmamos que “é preciso mesmo brigar para que se obtenha o mínimo de transformação”. O teu desejo, o teu sonho, era o de que as marchas dos “sem” acontecessem para nos afirmarmos como gente e como sociedade querendo democratizar-se.

O senhor que nos agraciou com a mais potente “Pedagogia do Oprimido”, elevou a “Educação como prática da liberdade”, e estimulou a “Ação cultural para a liberdade”, fez da “Pedagogia da autonomia” um norte, no qual “a leitura de mundo precede a leitura da palavra”, sem abrir mão da “Importância do ato de ler”, nutrindo-nos de “Pedagogia da esperança”. Nem a perseguição, nem a prisão, nem a censura, nem o exílio o cansaram. Por que o cansariam agora, quando mais precisamos da vitalidade do senhor?

Meu amigo, Paulo. Preciso contar-lhe algo surpreendente. Há algumas semanas, estudantes secundaristas de escolas públicas de São Paulo mobilizaram-se e ocuparam as escolas estaduais contra a intransigência política e o autoritarismo mais atroz dos mandatários de plantão da Secretaria de Estado da Educação do Governo de São Paulo. Estes mandatários querem a todo custo promover uma desorganização do sistema misto do ensino fundamental e médio na mesma unidade escolar. Além de separar os estudantes, irmãos e irmãs em anos diferentes, estes mandatários anunciaram o fechamento de escolas e irão aumentar ainda mais a quantidade de estudantes por sala de aula, prejudicando ainda mais o processo de aprendizagem da turma de educandos, como também de educadores que ficarão pressionados entre carteiras e lousas nas salas de aula já superlotadas. 

Amigo, Paulo. O senhor, depois de andarilhar com os oprimidos pela America-Latina, Europa e África, foi Secretario de Educação da cidade de São Paulo, dialogando com todo mundo disposto a falar e também a ouvir. Ninguém mais do que o senhor sabe o valor da fala do oprimido que ao falar denuncia sua opressão e ao fazê-lo conscientiza-se “da tomada de decisão de intervenção no mundo”. O senhor que como Secretário Municipal de Educação acabou com as “delegacias de ensino”, porque delegacias são de polícia e não de ensino, e criou os Núcleos de Ação Educativa, unindo prática e reflexão pedagógica com e entre educadores e educandos. O senhor ficaria feliz se pudesse estar aqui para conferir a vitalidade, a disposição, a coragem e o sorriso que só a meninice consegue nos agraciar. Esses meninos e meninas que ainda estão se fazendo gente têm passado noites em salas e pátios de escolas ocupadas, organizam-se para a limpeza, para alimentarem-se, para promover a própria segurança, realizam assembleias, discutem os feitos do dia e planejam o dia seguinte, e assim “contrariam as estatísticas”, tomando para si a possibilidade de decidirem sobre o próprio futuro. 

O senhor nunca deixou que esquecêssemos que não há possibilidade de educação apartada da cultura e que não há cultura apartada da educação. Sabemos que a truculência e a ideologia da ditadura militar nunca permitiram que a escola fosse um centro cultural de aprendizagem mútua e que anos mais tarde, a truculência política impediu que nossa amiga Marilena Chauí, então Secretária Municipal de Cultura, ao teu lado, fizesse das casas de cultura da Cidade de São Paulo, espaços educativos de modo que escolas e casas de cultura complementar-se-iam tal qual Cultura e Educação devem complementar-se, emaranhar-se, de modo que o sujeito da cultura e da educação seja os educandos. 

Em uma escola ocupada e gerida pelos estudantes, prestigiei uma apresentação de teatro cujo mote era a rebelião dos trabalhadores cansados da opressão dos patrões. Vi amigos dos estudantes promovendo oficinas de estêncil, comunicação alternativa, cartazes, capoeira, música, sarau de poesia e etc. Vi pais e mães ao lado dos filhos e filhas, juntos, e não era nenhuma reunião protocolar de pais e mestres e sim a participação tão desejada da comunidade na vida escolar. Vi professores e professoras dialogando em profunda comunhão, chamando os estudantes pelo primeiro nome e sendo chamados pelo primeiro nome, aprendendo juntos a conviver fraternalmente como sempre desejamos. Vi pessoas doando livros, mantimentos, produtos de limpeza e etc., como demonstração de apoio aos estudantes. Vi pessoas dispostas a dialogar com os estudantes sobre consenso, organização, feminismo, negritude, LGBT, direitos humanos, educação popular e etc. Vi pessoas disposta a ajudar de qualquer forma, a ouvir o que os estudantes têm a dizer e simplesmente estar ali, solidarizando-se. E numa das escolas ocupadas, vi no pátio, bem ao fundo e no alto, o teu retrato mais bonito, como se estivesse olhando a e por todos nós, testemunhando o movimento da história e feliz por estar presente. Posso imaginar o senhor sentado ali, junto com os estudantes, muito a vontade entre a tua gente, trocando histórias com eles como se estivesse ao pé de uma mangueira. 

A cegueira e a surdez política dos mandatários de plantão da Secretaria de Estado da Educação enchem os brutos de orgulho muito mais do que bom senso. É espantoso como um aparato tão poderoso da educação pode ser manipulado por mandatários inescrupulosos e belicosos que, sem nenhuma vergonha, declaram “guerra” ao bem mais precioso da educação que é os estudantes, sujeitos da educação, sem os quais a Secretaria de Estado da Educação não passa de uma ostra moribunda, ensimesmada, destinada a prisão ao próprio casco. O Estado declarou “guerra” aos estudantes por estes recolocarem na ordem do dia a educação pública. Na ausência de dialogo, o Estado responde declarando a mais bestial “guerra” suja!

Amigo, Paulo. Os estudantes estão tomando as ruas da Cidade para buscar dialogo com cidadão e cidadãs ainda penetráveis pela sensibilidade necessária que nos irmana a todos. As polícias agem como os mais ferozes, sedentos e bestializados cães raivosos a serviço dos poderosos. Contra a imposição da desorganização escolar, os estudantes respondem com a afirmação de que “não tem arrego”!

Como o senhor bem disse, “é preciso ir além da passividade com uma postura rebelde e criticamente transformadora do mundo”. Estes estudantes ainda pouco o conhecem, mas o senhor ficará feliz quando o conhecê-los.

Estes estudantes estão escrevendo os novos rumos da educação pública, nem eles, nem a sala de aula, nem as escolas hoje ocupadas serão as mesmas. Como o senhor, eu também estou feliz por testemunhar a vitalidade da história, que não está determinada, mas que ainda está por se fazer. 

Abraço do amigo de sempre,

Ruivo Lopes

P.S.: permita-me, pelo profundo respeito e admiração, que eu o chame nesta carta carinhosamente de “senhor”.