Nas ocupações, alunos valorizam escolas contra um discurso de ataque à coisa pública
Legado político e pedagógico das ocupações das escolas de São Paulo já podem ser projetados, acreditam educadores
"Estudantes e comunidade nunca mais serão os mesmos"
Por Gisele Brito
Menos de 20 dias depois do início da primeira ocupação de uma escola
estadual, em Diadema, o movimento de estudantes que tentam impedir o
fechamento de 94 unidades de ensino segue forte em várias cidades de São
Paulo. A ação obrigou o governo do estado a cancelar o Saresp nas
escolas tomadas, mudar locais de provas da Fuvest e enfrentar uma
contundente derrota no Judiciário, que entendeu que, de fato, faltou
diálogo com estudantes e professores que sofreriam os impactos da medida
e, por isso, as reintegrações de posse não seriam adequadas.
O governo ainda resiste em dar aos estudantes o que eles querem e
insiste na "reorganização", inclusive gastando R$ 9 milhões para tentar
encucá-la na população por meio de publicidade.
Dado o histórico pouco afeito ao diálogo do governador Geraldo
Alckmin (PSDB), talvez, as escolas realmente sejam fechadas. Mas para
educadores ouvidos pelo Observatório, as lições que ficam do movimento
já são perenes.
Nas escolas ocupadas, os estudantes têm manifestado satisfação em
aprender novos conteúdos a partir da experiência política, cultural e
colaborativa. Eles assumem várias facetas do protagonismo. Além de terem
de cuidar da rotina, o que inclui se reunir, deliberar e cuidar da
segurança, alimentação, limpeza, programação, comunicação e solução de
conflitos internos, ainda assumiram papel político de peso na atual
conjuntura.
"É uma mobilização ímpar. Ultrapassa tudo que poderíamos pensar em
planos de ensino", avalia a pedagoga e doutoranda em educação Crislei de
Oliveira Custódio. "Mais que qualquer proposta construtivista, é uma
experiência política de fato. Nas escolas construtivistas, há toda uma
programação para o protagonismo, mas que acaba sendo um simulacro do que
seria uma experiência democrática em um espaço público. Nesse caso, é
mais interessante porque partiu dos alunos, eles estão se organizando
nessas coisas cotidianas. Nas escolas construtivistas, ainda é preciso
uma permissão do adulto, que decide o que será democratizado", pondera.
Para o educador Ruivo Lopes, da Ação Educativa, o movimento deixa
claro que não se deve subestimar nenhuma criança ou adolescente ao se
pensar em políticas públicas, especialmente na educação. "A mensagem que
fica é que esses estudantes têm projeção de vida, desejos próprios e
condições de intervir na sua própria realidade. Eles já venceram todo o
aparato de subestimação", argumenta.
Os dois educadores ainda ressaltam como a iniciativa dos
secundaristas é carregada de valorização das escolas, em um momento em
que há um discurso deliberado contra as coisas públicas. A explicitação
de um senso de pertencimento fortalece as unidades mobilizadas como
equipamento público, fincado no coração das comunidades, que vão além da
sala de aula. São locais de encontro, de troca, de lazer. Educativas em
sentido muito mais amplo.
Além disso, o movimento conseguiu realizar um dos grandes objetivos
de currículos escolares: trazer a comunidade para dentro da escola. Isso
fica explícito na mobilização de pessoas para colaborar com aulas e
oficinas, que têm mantido efervescente o ambiente das escolas ocupadas,
mesmo nos finais de semana.
"Tanto já se falou em trazer as pessoas para a escola, usando festas,
criação de conselhos e outros mecanismos. Sempre foi muito difícil,
porque em geral a gente identifica como instituição do Estado e não como
coisa pública, nossa. Um milhão de pessoas já escreveram sobre isso. E
aí, numa coisa super de uma hora para outra, que não era um projeto do
governo, se consegue", ressalta Crislei. "Fico pensando como serão
essas escolas depois da ocupação. Certamente é um divisor de águas",
aponta a pedagoga.
"Eles não voltam a ser os mesmos. E se as escolas derem espaço, elas
serão transformadas para aquilo que sempre desejamos nos processos
educativos", acredita Ruivo.
Publicado originalmente em: Observatório da Sociedade Civil / Rede Brasil Atual
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