sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

É preciso salvar os direitos humanos no Brasil

 


No momento em que escrevo esta mensagem, o Brasil registra 183 mil mortos pela pandemia do novo coronavírus e 7 milhões de infecções confirmadas. Os óbitos diários superam a marca dos 900. Os números são assustadores. Cada número nesta contagem macabra representa um nome, uma história, uma projeção no mundo, uma família e amigos. Todos marcados pela ausência e luto. Mais assustador é saber que os números tendem a aumentar e com eles também as ausências e o luto entre nós. 
 
Enquanto ansiamos pela vacina, sofremos angústia por viver uma realidade que encurtou o horizonte, tornado-a pragmática e imediatista, comprometendo, assim, nosso futuro como sociedade já tão fragmentada pelas profundas desigualdades que violam a dignidade humana no País. 
 
Divulgado nesta semana, o relatório do PNUD (Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento), da ONU, registra que o Brasil perdeu cinco posições no ranking mundial do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e passou do 79º para o 84º lugar entre 189 países. Os dados analisados são de 2019, portanto, não refletem o impacto da pandemia do novo coronavírus. Os principais fatores que compõem o IDH são a expectativa de vida, os anos de escolaridade e a renda per capita. 
 
No começo do segundo semestre deste ano, o IBGE divulgou dados inéditos sobre o abandono escolar. Das 50 milhões de pessoas com idades entre 14 e 29 anos, dez milhões, ou seja, 20% delas, não tinham terminado alguma das etapas da educação básica. Pretos e pardos são a maioria neste índice. 
 
Dados da pesquisa "Efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho brasileiro: Desigualdades, ingredientes trabalhistas e o papel da jornada", publicada pela FGV Social (Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas), sobre a renda do trabalhador brasileiro no segundo trimestre deste ano já mostravam que o impacto da pandemia na renda da população mais pobre foi maior do que na dos mais ricos. A metade mais pobre da população brasileira perdeu 27,9% de sua renda, em média, passando de R$ 199 para R$ 144, enquanto os 10% mais ricos perderam 17,5% — de R$ 5.428 para R$ 4.476.
 
Em vigor, o chamado Teto de Gastos (Emenda Constitucional 95/2016) restringe investimentos públicos, aprofunda as desigualdades e ameaça serviços básicos oferecidos a maioria da população brasileira. Se os números de mortos pela pandemia do novo coronavírus que abre esta mensagem são assustadores, sabe-se 1) que esta cifra poderia ser ainda maior se não fosse a cobertura nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) e 2) que esta cifra poderia ser menor caso investimentos necessários tivessem sido feitos no SUS antes e durante a pandemia. Investimentos em áreas essenciais como saúde, educação e seguridade social estão comprometidos pela vigência do Teto de Gastos. Aqui destaco que chamo de investimento social aquilo que chamam convenientemente de Teto de Gastos. O Estado não é “poupança”. Arrecada – ainda que de forma desigual - para investir, sobretudo para garantir o bem-estar da população. 
 
Nunca é demais lembrar que o Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos que em seu Artigo 25 afirma que 
 
Toda pessoa tem direito a um nível de vida adequado que lhe assegure, assim como à sua família, a saúde e o bem-estar e, de modo especial, a alimentação, o vestuário, a habitação, a assistência médica e os serviços sociais necessários; tem ademais, direito aos seguros em caso de desemprego, enfermidade, invalidez, viuvez, velhice e outros casos de perda dos seus meios de subsistência por circunstâncias independentes de sua vontade. 
 
Não é difícil constatar que o governo brasileiro tem aversão aos direitos humanos. A morte não pode ser aceitável como destino quando a vida é interrompida porque faltaram as condições necessárias para a sua plenitude. A política existe para interferir em supostos “destinos”. Pela ação e omissão, o governo Bolsonaro (ex-PSL) ficará marcado como um triste capítulo da nossa história recente por ter optado pela política da morte. 
 
Ruivo Lopes
São Paulo, 18/12/2020

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