domingo, 8 de junho de 2014

Manifesto Periférico


Periferia de São Paulo [Foto Sharylaine]

MANIFESTO PERIFÉRICO

Pela Lei de Fomento à Periferia

SALVE PERIFERIAS!

Pra entender os escritos e as vozes do lado de cá, antes, é preciso entender o que vemos como PERIFERIA.

Compreendemos PERIFERIA como espaço urbano geograficamente identificável, abrigo das classes trabalhadoras brasileiras, da maioria da população negra, indígenas urbanos e imigrantes e cujos traços culturais são entoados pela heterogeneidade resultante do encontro (nem sempre pacífico) desta convivência multicultural atravessada pela desigualdade social. Periferia, não por acaso, substantivo feminino no qual se inscreve a história corrente de inúmeras mulheres. Museu sem teto ou paredes, bolsões de expressões ancestrais, tradicionais e experimentações inovadoras, cuja geografia é território, marca identitária e também espaço de exclusão econômica, com excesso de polícia e ausência de políticas públicas que procurem agir na resolução das consequências de um processo histórico de brutalidades sociais, desigualdades e injusta distribuição de riquezas.

O termo PERIFERIA convocado neste manifesto representa um ato político. Assumi-la como marca identitária significa evidenciar as disparidades sociais, econômicas, geográficas e culturais historicamente impostas, assim como, neste contexto, considerar a desproporção de verbas públicas destinadas à produção cultural das quebradas.

Reconhecer a capacidade de sua população em mediar as contradições por meio da produção cultural e da elaboração cotidiana de mecanismos que garantam a sobrevivência coletiva, é compreender este território periférico como lugar de resistência política. Ainda que as periferias tenham características específicas entre si, a unidade está aí: relacionam-se com a questão urbana em posição de desvantagem política, visto que historicamente os olhos das políticas públicas buscaram privilegiar investimentos nas áreas centrais da cidade, estimulando, mesmo que não intencionalmente, novas lógicas de convivência, sociabilidade e manifestações culturais nos territórios periféricos.

 O que buscamos é a reparação histórica, é inverter a lógica do mercado. Fundamentados no ponto de vista de quem vive e produz cultura neste lugar, a periferia, e por entender a tirania do processo de mercantilização que a tudo padroniza e homogeneíza; que busca transformar em mercadoria toda a produção humana e que, portanto, exerce forte pressão às manifestações culturais nas quebradas para que se transformem em produtos à venda.

Reivindicamos do Estado sua contraparte, assegurando políticas públicas que viabilizem nossas práticas artísticas e culturais não baseadas no lucro e na exploração; que existam mecanismos de fomento onde a gratuidade seja garantida, a auto-sustentabilidade econômica não seja uma meta, a subjetividade das periferias não seja transformada em mercadoria e que as nossas produções não estejam reféns de um gosto universalizado, tampouco nossas particularidades simbólicas sejam catalogadas como moeda de troca.

O governo do Estado, há cerca de duas décadas, é pautado por políticas neoliberais, sem praticamente qualquer política pública voltada para grupos culturais ligados aos movimentos sociais. Na cidade de São Paulo, embora exista políticas mais arejadas e com maior diálogo com os movimentos, ainda há muito por fazer e avançar. Nossa contribuição parte da premissa de que a discussão sobre financiamento direto, garantido em lei, e descentralização de verbas é necessária e se faz urgente.

Defendemos que os estados e municípios parem de despejar milhões de reais, fruto de arrecadações dos cidadãos, para o pagamento de JUROS das dívidas públicas – que representa hoje 13% do orçamento do município de São Paulo[1], em detrimento do investimento de apenas 0,7% de seu orçamento na cultura[2] (situação repetida nas esferas estaduais e também federal). Esta política de irresponsabilidade social engessa todos os governos, independentemente da coloração partidária e desconsidera a maior parte da população, a população periférica, produtora das riquezas com a força de seu trabalho e, ao mesmo tempo, distanciada do usufruto desta produção.

FOMENTO PERIFERIA

Enquanto sujeitos periféricos residentes e atuantes às margens metrópole, propomos e defendemos a criação de uma LEI de FOMENTO à PERIFERIA, capaz de estruturar econômica e poeticamente as coletividades das quebradas.

O QUE É o FOMENTO PERIFERIA? É uma Política pública de investimento direto, estruturada em lei e com dotação orçamentária própria, cuja iniciativa potencialize a capacidade criativa e a articulação dos coletivos artísticos periféricos, levando em conta a sua pluralidade materializada em poéticas diversas.

A QUE(M) SE DESTINA? Direcionada à produção cultural periférica, cujo protagonismo é o de coletivos culturais com atividades continuadas.

O QUE APOIA? Fomentará pesquisas, criação, formação, difusão e manutenção das atividades artístico-culturais, assim como manutenção dos espaços públicos ociosos por estes coletivos, ocupados e geridos com garantia de autonomia política e administrativa.

NO QUE DIFERE DE OUTRAS LEIS E EDITAIS? Diferente de outras iniciativas também importantes como o VAI II e Pontos de Cultura, por contemplar não somente sedes “pontos específicos” e por dispor de maior aporte econômico às parcelas contempladas. O Fomento Periferia cobre uma lacuna que inviabiliza os saltos poéticos a que estamos inscritos.

OU SEJA... Uma POLÍTICA PÚBLICA proposta e produzida por agentes culturais periféricos de modo a distanciar-se da lógica mercantilista, do caráter eventual das ações culturais e da competitividade desigual dos editais, considerando a cultura um direito humano, garantindo a descentralização dos recursos e uma produção cultural autônoma, singular e continuada, orientada pelas relações sociais estabelecidas por/entre agentes artístico-culturais e suas comunidades.

É nóis por nóis!

FÓRUM DE CULTURA DA ZONA LESTE

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