domingo, 11 de maio de 2014

Carta para uma mãe



Mãe, a história que eu vou contar nenhuma mãe quer pro seu filho. Eu nunca fiquei tanto tempo longe de casa sem dar notícias e sei que a senhora tá desesperada, me procurando em todos os cantos.
Na noite em que eu desapareci, eu desci a rua pegada ao campinho. Quando eu ia chegando na esquina, uma viatura da polícia virou primeiro, deu de frente comigo e acendeu as luzes na hora. Foi tudo muito rápido. Eu me perdi nos pensamentos. A  viatura mal tinha parado e os policiais desceram com as armas na mão apontadas pra mim. Me chamaram de vagabundo e mandaram eu encostar a cara na parede.
Foi automático, eu mal tinha virado e senti meu corpo queimar uma, duas, três vezes. Tentei juntar forças pra gritar, mas não consegui. Cai no chão com os olhos abertos com medo de dormir e perder para sempre o Dia das Mães.
Eu ainda tava vivo quando eles me arrastaram pro fundo da viatura. Meu corpo tava anestesiado, perdi a noção do tempo e meus pensamentos ficaram bagunçados. Não conseguia entender o que os policiais diziam nem o caminho que faziam. Também não entendi porque seguiram sem a sirene. 
Quando fui tirado do fundo da viatura, senti as costas molhada, um cheiro de mato e a última coisa que me lembro é o estalo abafado... pá!
Eles foram embora. Eu fiquei aqui.
Mãe, a senhora sempre lutou por mim, na fila pra conseguir vaga na escola, na fila pra ser atendido no posto de saúde, pra me proteger do frio e da chuva nunca teve tempo ruim. A senhora sempre que me procurou me achou e me guiou pro caminho de volta pra casa. O luto vai passar e vai ser na luta que a senhora vai me encontrar.
A senhora não tá sozinha, tem muita mãe que precisa do teu apoio. Juntas, sejam mães umas dos filhos das outras, dos que partiram como eu e dos que ficaram. Tem muito filho nesse mundão que precisa de mães-coragem como a senhora. Quem tá morrendo se parece sempre com a gente, daqui eu já tô vendo. Infelizmente, eles continuam chegando ao montes por aqui.

Eu sempre viverei na tua luta!

Teu filho, com carinho.

Ruivo Lopes

Trecho de “Carta a mãe”, publicada na íntegra no livro Mães de Maio - Mães do Cárcere: Periferia Grita (2012).

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