Uma vez professora, sempre professor
Sempre estudei em escolas públicas. Da pré-escola ao ensino médio foram muitas escolas em bairros e cidades diferentes, conforme as necessidades de mudança das muitas casas alugadas pelas quais também morei com minha família. Graças a regionalização da educação pública, estudei com estudantes que também moravam nos mesmos bairros que eu ou próximo. A convivência na escola era importante para a convivência fora da escola e vice-versa. Com uma diferença: fora da escola, contávamos com o apoio da própria família – cada qual tinha a sua do seu próprio jeito, mas quase sempre chefiada por mulheres e quando o assunto era filhos elas lideravam -; e dentro da escola contávamos com “a professora” – às vezes no plural, outras no singular, mas sempre no feminino. Aliás, na Educação Básica, a presença de professores homens é mais comum nas disciplinas específicas a partir do Fundamental II. Porém, na educação pública, mesmo neste ciclo, suspeito que a presença de professoras ainda é maior. Nas escolas privadas, a presença de professores homens parece um pouco mais equilibrada, dado que nesta modalidade, os salários também são maiores do que na educação pública – marca da desigualdade salarial entre homens e mulheres. Tudo isso para dizer que durante a primeira infância, e as crianças de modo geral, somos todos protegidos e educados por mulheres em diferentes condições – sociais e econômicas -, seja nas famílias ou nas escolas. Daí, todo mundo ter “uma professora para chamar de sua”. Este é o ponto que quero abordar nesta crônica.
Tive professoras que marcaram minha trajetória de modos diferentes. Meu repertório hoje permite que eu compreenda alguns episódios ocorridos em sala de aula ou no ambiente escolar: a professora que desmaiou de fome, a que teve uma crise de choro, a que achava que estaria no controle se a turma tivesse medo dela, a que me deu uma mochila – a primeira que tive de muitas que até hoje carrego nas costas -, a cansada, a idealista... todas elas estavam lá (e ainda estão!). É muito difícil lembrar os nomes, mas o que jamais esquecemos é o fato delas terem sido nossas professoras. Daí, chamarmos elas singularmente deste nome coletivo “Professora”. Elas raramente lembram da gente, também pudera, quantas turmas no mesmo dia, quantas turmas ano a ano, quantas turmas em diferentes escolas. O mais comum é lembrarmos delas e chamá-las assim: - Professora! Quase como prova de reverência. Embora o tempo tenha passado e ela já não seja mais nossa professora, é como se quiséssemos dizer:
- Aprendi com você. Estou vivo. Obrigado por ter me ensinado!
Tornei-me educador pelas circunstâncias da vida. Primeiro pela necessidade, depois por ativismo. Anos mais tarde, formei-me pedagogo. Novamente elas estavam lá: mulheres que já atuavam na educação infantil ou que queriam atuar na educação infantil. Eu era “o bendito fruto entre as mulheres” (era o gracejo que se fazia na sala de aula), já que a turma era formada apenas por elas. A convivência com essas mulheres foi uma formação a parte em vários sentidos.
Primeiro como educador e depois como pedagogo, há mais de vinte anos tenho planejado, organizado, orientado e dado muitas aulas para crianças, jovens e adultos em diferentes espaços educativos. Andando pelas ruas da cidade, tem sido cada vez mais comum ser chamado pelo “nome” Professor.
- Professooorrr!!!
Parece que chegou a minha vez!
Ruivo Lopes é Educador, Pedagogo e especialista em Transversalidade da Cultura, Educação e Direitos Humanos em Diferentes Espaços Educativos.