Quem tem medo da verdade?
Lá vêm uszomi de bem
As mãos nos bolsos escondem
o sangue de alguém
Os passos curtos e as pernas
bambas
Denunciam maldades que ainda
pesam em seus ombros
Uszomi carregam manchas em
seus nomes
No peito cansado, já não aguentam
mais velhas medalhas
Eles sabem o que fizeram no longo
outono do século passado
Golpearam violentamente a
verdade e a justiça
Tomaram de assalto o poder
que era do povo
E se tornaram o poder absoluto!
Como foram ousados, serei da
minha parte, ousado também
Tenho o dever de falar
porque não sou cúmplice
Calado, minhas noites seriam
assombradas pelas memórias
Da gente que projetava na
vida, sombras de esperança
Quando uszomi vieram, eles
chegaram abençoados
E agiram em defesa do sono
dos justos
Estes tiveram a oportunidade
de fazer justiça
Mas se calaram
voluntariamente
Juntos, caçaram vidas,
sombras e esperanças
Exigiram disciplina, quando na
verdade queriam obediência
Censuraram o poeta, o poema
e a poesia
Trocaram a notícia da
primeira capa
Pela receita indigesta e
macabra
Deram um banho de água fria
no sonho de justiça
Descarregaram choques
naqueles com quem se chocaram
Provocaram pesadelos
Prenderam a liberdade
Torturaram a alma
Logo ali, na sala, na cela,
na vala, na viela, na mata
Desapareceram com o corpo e
com a sombra
Deixaram um abraço partido e
um adeus... que nunca foi dito
Na caminhada interrompida, o
preço... a vida!
Onde esta? Onde está?
Ainda gritam mães, filhos e
avós
Ninguém apareceu pra explicar
Quando uszomi caíram
pensaram que seriam esquecidos
Acharam que ficaria o dito
pelo não dito
Se esconderam da verdade
porque sabiam
Que verdade significa justiça
Foi quando a poesia se fez
necessária
E o poeta voltou a recitar
seu poema em voz alta
Com a certeza de que a verdade
está a caminho e ninguém, ninguém, a deterá.
Ruivo Lopes | Poema publicado primeiro em Coletivo Cultural Poesia na Brasa, Antologia Volume IV (2012), e só agora disponível na íntegra neste blog Poéticas Políticas, em memória daquela gente que ousou quebrar a imposição do silêncio e não se conformou com o inconformável. Este poeta recita seu poema em voz alta pela memória, verdade e justiça para todas as vítimas da violência do Estado que ainda persiste neste país de acentuados contrastes raciais, étnicos e sociais.
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