segunda-feira, 24 de março de 2014

1964 + 50: quem tem medo da verdade?




Quem tem medo da verdade?


Lá vêm uszomi de bem

As mãos nos bolsos escondem o sangue de alguém

Os passos curtos e as pernas bambas

Denunciam maldades que ainda pesam em seus ombros

Uszomi carregam manchas em seus nomes

No peito cansado, já não aguentam mais velhas medalhas

Eles sabem o que fizeram no longo outono do século passado

Golpearam violentamente a verdade e a justiça

Tomaram de assalto o poder que era do povo

E se tornaram o poder absoluto!

Como foram ousados, serei da minha parte, ousado também

Tenho o dever de falar porque não sou cúmplice

Calado, minhas noites seriam assombradas pelas memórias

Da gente que projetava na vida, sombras de esperança

Quando uszomi vieram, eles chegaram abençoados

E agiram em defesa do sono dos justos

Estes tiveram a oportunidade de fazer justiça

Mas se calaram voluntariamente

Juntos, caçaram vidas, sombras e esperanças

Exigiram disciplina, quando na verdade queriam obediência

Censuraram o poeta, o poema e a poesia

Trocaram a notícia da primeira capa

Pela receita indigesta e macabra

Deram um banho de água fria no sonho de justiça

Descarregaram choques naqueles com quem se chocaram

Provocaram pesadelos

Prenderam a liberdade

Torturaram a alma

Logo ali, na sala, na cela, na vala, na viela, na mata

Desapareceram com o corpo e com a sombra

Deixaram um abraço partido e um adeus... que nunca foi dito

Na caminhada interrompida, o preço... a vida!

Onde esta? Onde está?

Ainda gritam mães, filhos e avós

Ninguém apareceu pra explicar

Quando uszomi caíram pensaram que seriam esquecidos

Acharam que ficaria o dito pelo não dito

Se esconderam da verdade porque sabiam

Que verdade significa justiça

Foi quando a poesia se fez necessária

E o poeta voltou a recitar seu poema em voz alta

Com a certeza de que a verdade está a caminho e ninguém, ninguém, a deterá.


Ruivo Lopes | Poema publicado primeiro em Coletivo Cultural Poesia na Brasa, Antologia Volume IV (2012), e só agora disponível na íntegra neste blog Poéticas Políticas, em memória daquela gente que ousou quebrar a imposição do silêncio e não se conformou com o inconformável. Este poeta recita seu poema em voz alta pela memória, verdade e justiça para todas as vítimas da violência do Estado que ainda persiste neste país de acentuados contrastes raciais, étnicos e sociais.

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