terça-feira, 28 de dezembro de 2010

São Paulo, pura contradição!

A cidade de São Paulo tem fama de ser cosmopolita. Porém, e sempre tem um porém, é uma cidade que tem dificuldade com sua própia diversidade. Diversidade não significa ausência de desigualdade, de conflito social. São Paulo é muitas e muitas cidades, territórios e espaços numa só. É pura contradição.
Em São Paulo tem indio na favela lutando com outros brasileiros por uma vida mais digna. Na favela Real Parte, no bairro nobre do Morumbi, zona sul de São Paulo, indios Pankararu para não serem queimados juntos com seus barracos correram do fogo, mas não da luta. Das chamas, salvaram sua dignidade, as máscaras sagradas do ritual do Toré, reunião para cultuar os encantados, entoar cantos, cobrir o corpo com os praiás (as máscaras que incorporam os espíritos) e dançar ao som do maracá. O Toré mantém viva a cultura e identidade do grupo aonde quer que ele esteja.
Estima-se haver mais de 50 mil índios vivendo nas cidades brasileiras, dentro do universo de 720 mil índios do país, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os Pankararu somam 1,6 mil pessoas em São Paulo, a maioria na favela Real Parque, e compartilham a história da migração indígena com mais 19 etnias que se fixaram no município paulista e seus arredores. Em meio à população urbana da metrópole, há mais de 12 mil indígenas, distribuídos em comunidades pobres e em quatro aldeias Guarani. Em sua maioria originária do Nordeste, os indigenas chegaram a São Paulo após casos de invasão de suas terras, dificuldade de produção de alimentos, e, até, carência de oportunidades de educação e saúde nas aldeias. Coincide com a construção do estádio do Morumbi, por exemplo, o estabelecimento dos primeiros Pankararu à margem do rio Pinheiros, ainda na década de 1950. A viagem de 2,2 mil km da aldeia de Brejo dos Padres, em Pernambuco, até o centro urbano, foi empreendida, primeiro, pelos homens, que sobreviveram da renda na construção civil, e foi seguida pela chegada de suas famílias e da fundação da Vila da Mandioca, hoje, Real Parque.
Preservar os traços culturais é desafio mesmo para as etnias que ainda vivem em aldeias, como os Guarani Mbyá das aldeias Tekoá Itu e Tekoá Pyiaú, do pico do Jaraguá, e das aldeias Tenonde Porã e Krukutu, da região de Parelheiros. No Jaraguá, a menor aldeia do Brasil (2,7 hectares) sofre com as pressões por reintegração de posse, a construção do trecho oeste do Rodoanel e a inserção de projetos imobiliários na região. Ali a presença indígena remonta ao século 16, e a língua guarani ainda é falada e ensinada no centro de educação bilíngue construído no local. A religiosidade e a produção artesanal estão entre os principais elementos da resistência Guarani, já que a terra não pode ser mais fonte de sobrevivência.

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Blog Olhar sobre o Mundo Veja o arquivo Ikpeng, os “exilados” do Xingu com fotos do Parque Indígena do Xingu, no nordeste no Mato Grosso. O Parque Indígena do Xingu, que em 2011 completará 50 anos, notabilizou os irmãos Cláudio, Orlando e Leonardo Villas Boas pelos seus trabalhos em defesa das populações indígenas.

domingo, 19 de dezembro de 2010

A covardia do racismo brasileiro

O racismo no Brasil se caracteriza pela covardia. Ele não se assume e, por isso, não tem culpa nem autocrítica. Costumam descrevê-lo como sutil, mas isto é um equívoco. Ele não é nada sutil, pelo contrário, para quem não quer se iludir ele fica escancarado ao olhar mais casual e superficial. O olhar aprofundado só confirma a primeira impressão: os negros estão mesmo nos patamares inferiores, ocupam a base da pirâmide social e lá sofrem discriminação e rebaixamento de sua autoestima em razão da cor. No topo da riqueza, eles são rechaçados com uma violência que faz doer. Quando não discrimina o negro, a elite dominante o festeja com um paternalismo hipócrita ao passo que apropria e ganha lucros sobre suas criações culturais sem respeitar ou remunerar com dignidade a sua produção. Os estudos aprofundados dos órgãos ofi ciais e acadêmicos de pesquisa demonstram desigualdades raciais persistentes que acompanham o desenvolvimento econômico ao longo do século 20 e início do 21 com uma fi delidade incrível: à medida que cresce a renda, a educação, o acesso aos bens de consumo, enfim, à medida que aumentam os benefícios econômicos da sociedade em desenvolvimento, a desigualdade racial continua firme. Abdias do Nascimento, incansável aos 96 anos de vida intelectual e militância nas lutas negras no Brasil. Leia a entrevista completa aqui.

Ovos, Tomates e Saúde Pública Os governos federal, estaduais e municipais vêm há muito desenvolvendo argumentos e políticas de terceirização dos serviços de saúde e optando pela minimização das funções do Estado na saúde pública - o que põe a vida humana sob o jugo de critério impróprio, que é o critério do mercado, no fundo o mesmo que se aplica no comércio de ovos e tomates, a mesma lógica, os mesmos princípios. É inútil o médico e o enfermeiro se esmerarem no atendimento se ele for regulado pelas restrições impostas pelo primado do lucro ou pelas limitações que acabam redundando em economia de vida para fazer economia de dinheiro. A economia hospitalar acaba sendo dispensada da sensatez de uma economia política da vida, com repercussões muitas vezes danosas nos próprios serviços médicos; um cenário de descuidos em que a omissão de um técnico é, no mais das vezes, expressão e efeito do modo equivocado e até irracional como o conjunto da instituição hospitalar está organizada. Mais do que questões puramente médicas ou éticas, esses casos indicam uma questão sociológica de valores sociais, de concepções de referência na divisão do trabalho e na definição de procedimentos médicos e hospitalares. José de Souza Martins, sociólogo da USP, no artigo Nossos hospitais enfermos, aponta as verdadeiras razões por trás das recentes mortes em hospitais públicos paulistas: precarização do serviço de saúde decorrente da crescente terceirização de profissionais da área e da má qualidade da formação do agente de saúde para o serviço público.

A Ideologia da Segurança Nacional requentada O controle totalizante sobre as comunidades pobres dentro do paradigma bélico é um modelo muito usado pelos Estados Unidos nas ocupações que promove. E também é um modelo usado por Israel no tratamento do Estado Palestino. Isso significa que existe um atropelo das garantias, as áreas pobres ficam transformadas em territórios de exceção, onde não regem direitos e as garantias são completamente supérfluas porque trabalham com a ideologia da segurança nacional. O governo do Rio tem a polícia que mais mata do mundo, tem toda a ideologia do confronto. O paradigma bélico é comum, inclusive com o uso das forças armadas na segurança pública. As forças armadas norte-americanas jamais entram como polícia. Mas eles gostariam muito que as forças armadas da América Latina entrassem nessa função porque isso faz com que desmoronem. É um fiasco em relação aos objetivos a que ela se propõe, porque na indústria da guerra ela é um espetáculo: vende tanques e armas para os dois lados. O capitalismo é completamente alimentado pelas guerras. Se olharmos toda a história do capitalismo, a própria história dos Estados Unidos, percebemos que nas crises econômicas a guerra levanta a economia. E nós aqui estamos incorporando esse modelito, que é um modelo fracassado. Os Estados Unidos se retiraram do Iraque fracassados, estão se retirando do Afeganistão sem possibilidade de vitória, mas a indústria bélica e seus serviços são vitoriosos. E é essa indústria bélica que agora está sendo mimetizada para as políticas de segurança pública, porque política de segurança pública não tem nada a ver com o que está acontecendo, com a guerra. Há todo um mercado da violência e do controle da violência. Vera Malaguti, socióloga da UERJ, em recente entrevista joga luz sobre as ações militares nas áreas pobres do Rio de Janeiro. Leia a integra aqui.

Geopolítica do crime A farsa da operação de guerra e seus inevitáveis mortos, muitos dos quais sem qualquer envolvimento com os blocos que disputam a hegemonia do crime no tabuleiro geopolítico do Grande Rio, serve apenas para nos fazer acreditar que ausência de conflitos é igual à paz e ausência de crime, sem perceber que a hegemonização do crime pela aliança de grupos criminosos, muitos diretamente envolvidos com o aparato policial, como a CPI das Milícias provou, perpetua nossa eterna desgraça: a de acreditar que o mal são os outros. José Cláudio Souza Alves, sociólogo da UFRRJ, no artigo Violência no Rio: a farsa e a geopolítica do crime desnuda a farsa criminológica das ações miliatres nas áreas pobres do Rio de Janeiro sob a lógica da guerra ao terror.

Criminalização da pobreza Todo crime é político, é uma construção política. Quando você está prendendo gente com a mesma extração social, da mesma classe social, da mesma etnia, é claro que é político. Existem 62 mil brasileiros presos por furto. Declaração de Nilo Batista, jurista carioca, no seminário Encarceramento em Massa: Símbolo do Estado Penal. Ouça a declaração completa aqui.