quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Leiaí, "O vendedor de travesseiros", o novo livro de poesia de Emerson Alcalde

 Leiaí! | Emerson Alcalde está de volta com "O vendedor de travesseiros" (Edições Maloqueirista, 2015), seu mais recente livro de poesias. Alcalde é conhecido dos circuito de saraus de São Paulo, principalmente dos slams (competição de poesia falada), sendo ele próprio um slammaster do Slam da Guilhermina, que acontece mensalmente na zona leste da Cidade. Na poesia, Alcalde estreou com "(A) Massa" (2011), cuja última edição foi bilíngue português/espanhol, tendo participado também de antologias poéticas da cena de saraus de São Paulo. 

Em "O vendedor de travesseiros", Alcalde apresenta o que parece suas novas incursões poéticas sem perder laços com a poesia ora falada ora ritmada, mas também "hermética", próximas de uma "exposição contemporânea que só tem riscos". A performance, que marca as apresentações da poesia falada de Alcalde, são difíceis de serem captadas na versão escrita, daí a surpresa ao ouvir o poeta ao vivo. 

O livro reúne poemas inéditos, e outros feitos para espetáculos teatrais e para o disco "Entre" do rapper paulistano Kamau, responsável pela texto da orelha do livro. "O jeito como ele joga com as palavras se assimila a malabares", diz o rapper paulistano. A atriz-MC Roberta Estrela D'alva, slammaster do ZAP! Slam, assina o prefácio no qual afirma sobre a poética de Alcalde: "As palavras perfomam, clamam pela cena e os devaneios pousam em nossas mentes ao penetrarmos no seu universo, que neste novo trabalho vem carregado de imagens oníricas e surrealistas (...)". 

O livro tem o formato de bolso, tradicional das Edições Maloqueiristas

Recomendo a leitura!

Livro: “O vendedor de travesseiors", 71 páginas
Gênero: Poesia
Autor: Emerson Alcalde
Editora: Edições Maloqueiristas, 2015
Contato: emersonalcalde@hotmail.com
Facebook: Emerson Alcalde de Jesus
Blog: www.emersonalcalde.blogspot.com.br

domingo, 20 de setembro de 2015

Em Santo André, Coletivos e Pontos de Cultura debatem Livro, Leitura e Movimentos Culturais



Se ligaí! | Nesta segunda, dia 21, às 20h, os Coletivos e Pontos de Cultura convidam para o Debate sobre Livro e Leitura e Movimentos Culturais no Gambalaia Espaço de Artes, na Rua das Monções, nº 1018, Santo André (SP) - veja como é fácil chegar: https://goo.gl/maps/PNKoE3eGQAR2. Na roda, a experiência paulistana na elaboração do Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca e a emergência dos movimentos culturais na conjuntura social e política brasileira. Compartilhe e participe!

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

São Paulo tem inédita Feira Literária na Zona Sul



Se ligaí! | É um momento muito propício para a vida literária na cidade de São Paulo. Exemplo disso é a inédita Felizs - Feira Literária da Zona Sul, iniciativa do Sarau do Binho & parceiros. A programação está espalhada em diversos espaços do Campo Limpo e região e tem lançamento de livro, apresentações musicais, conversas literárias, saraus, exposição, oficinas, etc. 


No dia 19, a partir das 13h, na Praça do Campo Limpo, participo da conversa literária "Mercado editorial, mídias alternativas e o Plano Municipal do Livro e Leitura de São Paulo" com Daniel Minchoni (Selo Burro), Berimba Jesus (Edições Maloqueirista), Elizandra Souza (Selo Mjiba), Haroldo Ceravolo (Opera Mundi) e Ricardo Queiroz (ECA/USP e assessor parlamentar para o livro e leitura). Confira a programação completa e participe: www.felizs.com.br

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

"Líquido estranho", um poema amargo




Líquido estranho

Nas ruas mais pobres da cidade
escorre um líquido estranho
na calçada, sarjeta e terra batida
Se no vento da noite, coagula... Se no calor do dia, resseca
O líquido que jorra de orifícios negros
deixa sua mancha vermelha por onde passa.

Cena débil nas ruas mais pobres da cidade
corpos caídos, olhos semi-abertos e bocas secas
O cheiro de pólvora perfuma o ar
e o odor de carne atingida a queima roupa
sufoca a garganta.

O líquido vermelho mata a sede dos carrascos
e banha em lágrimas o pranto dos aflitos.

Eis um líquido para que o vento coagule
Pra que os urubus observem, pra que a chuva apague
Pra que o sol resseque, pra que o chão suporte

Eis um estranho e amargo líquido.

Ruivo Lopes

domingo, 13 de setembro de 2015

O incentivo à leitura como política pública em SP



Distribuição de livros no Terminal Campo Limpo, zona sul de SP (Foto: Sarau do Binho)

O incentivo à leitura como política pública

Por Cristiane Gomes

Aprovado em 2011, o Plano Nacional do Livro e Leitura prevê que estados e municípios elaborem suas próprias políticas para a área; capital paulista está prestes a aprovar o seu.

A importância do conhecimento para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática e justa é algo que ninguém pode questionar. E nesta tarefa, o livro tem papel de protagonista. Por isso, se faz fundamental a existência de políticas públicas de incentivo à leitura e à manutenção de bibliotecas que, aliadas à educação e a cultura, possam fazer a diferença. Neste sentido, o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) foi instituído em 2011 pela presidenta Dilma Rousseff, como uma política de Estado cujo objetivo é nortear, de forma orgânica, políticas, programas, projetos e ações continuadas desen­volvidos no âmbito de ministérios – em particu­lar os da Cultura e da Educação – governos esta­duais e municipais, empresas públicas e privadas, organizações da sociedade e, em especial, todos os setores interessados no tema. O PNLL foi fruto de um amplo debate realizado em todo o país, envolvendo representantes de toda a rede produtiva do livro.

Como desdobramento do PNLL, os municípios e estados brasileiros tem a responsabilidade de produzir seus próprios planos. No que se refere ao estado de São Paulo, governado há 20 anos por um partido inimigo da educação (basta constatarmos a precária condição da rede estadual de ensino que teve como desdobramento a mais longa greve realizada pelos professores no começo de 2015), a questão está complicada. Diversos cortes do orçamento para a compra de livros para escolas do estado foram realizadas recentemente. “O Estado de São Paulo é refém de uma política cultural e educacional atrelada a objetivos pouco transparentes. Sabemos que revistas periódicas de baixíssima qualidade recebem dinheiro num volume espantoso, por meio de milhares de assinaturas, mas os recursos para aquisição de livros são baixos e, digamos, pouco democráticos pois priorizam apenas algumas editoras”, afirma Rogério Chaves, Secretário de Comunicação e Formação do SEEL, que destaca que o setor editorial de livros no Brasil tem ainda muito campo para desenvolvimento, mas que o fato dos Estados participarem com pouca intensidade é ruim para todos.

Mas a situação na cidade de São Paulo traz certo respiro e esperança na valorização do livro e da leitura como um dos instrumentos mais eficientes para concentração e difusão do conhecimento. A capital paulista está prestes a aprovar seu Plano Municipal do Livro Leitura Literatura e Bibliotecas, o PMLLLB.

Desde 2012, pessoas atuantes nas áreas da leitura, da literatura e do livro vêm discutindo uma política para o setor e a consequente necessidade de um plano municipal. Em abril de 2014, uma portaria intersecretarial publicada no Diário Oficial do Município constituiu o Grupo de Trabalho (GT) para elaborar o PMLLLB. Este GT foi composto por representantes do Executivo Municipal (Secretarias de Governo, Cultura, Educação e Direitos Humanos), da Câmara Municipal e da Sociedade Civil (ONGs, entidades de classe e militantes da leitura). Desde então, já foram realizados mais de 30 debates setoriais e muitas demandas, como reivindicações, propostas e sugestões para a composição do Plano,  vieram desses debates. Em abril deste ano, foram realizadas plenárias públicas com consultas à comunidade das seis regiões da cidade. O processo contou com uma ampla participação de representantes do movimento de literatura periférica da cidade, que conta com um movimento intenso de leitura nos saraus espalhados pelas quebradas paulistanas.

O educador e ativista cultural, Ruivo Lopes, lembra que, desde as iniciativas inovadoras no campo da cultura e educação promovidas pelo escritor Mário de Andrade, no começo do século 20, a cidade de São Paulo é pioneira em ações de acesso da população ao livro. Como a maior herança disso, ele destaca o pioneirismo dos ônibus-bibliotecas que, já na origem, disponibilizavam um acervo móvel mínimo para a população trabalhadora residente nos bairros mais distantes do centro da cidade. “Como tudo no Brasil, essas ações sofreram reveses, algumas acabaram e outras surgiram ao longo dos anos, como a discussão de políticas públicas de incentivo à leitura”, afirma o educador que representou no Grupo de Trabalho sobre a elaboração do PMLLLB, o segmento dos saraus literários espalhados pela cidade.

O PMLLLB da capital paulista inova ao incluir os saraus na elaboração de uma política pública específica que também leve em consideração o papel de formação literária que estes coletivos promovem, principalmente nas periferias da cidade. “É a primeira vez que São Paulo terá uma política pública exclusiva para o livro e a leitura, que promova a bibliodiversidade, reunindo todas as iniciativas já existentes, ampliando e melhorando o acesso, a produção, a mediação, equipamentos e a formação de público leitor. São Paulo não pode desperdiçar essa oportunidade de se tornar uma cidade leitora!”, conta Ruivo Lopes com entusiasmo.

“Nunca se erra quando se investe em ampliar o acesso ao conhecimento. O povo lê, sim, diferente do que o senso comum costuma repercutir. Tanto lê que a experiência dos jornais impressos gratuitos superam barbaramente as tiragens dos jornais convencionais. A experiência das bibliotecas comunitárias populares e do ônibus-biblioteca revelam êxito na ampliação do alcance”, acredita Rogério Chaves, Secretário de Comunicação e Formação do SEEL. A expectativa é que o PMLLLB seja discutido e votado pelos vereadores da Câmara Municipal em setembro.

Para nossa categoria, cerca de oito mil trabalhadores e trabalhadoras em todo o estado de São Paulo, a existência de uma política como o PMLLLB, além de trazer a alegria de contribuir com o cumprimento da função social do livro, se traduz também em melhores salários e condições de trabalho: mais livros produzidos, mais livros lidos. Claro que muitos desafios se apresentam, porém, eles existem justamente para serem superados. O Secretário de Comunicação e Formação do SEEL, Rogério Chaves destaca entre as prioridades de um plano como este, o aumento de tiragens e do investimento na distribuição nacional, valorização da bibliodiversidade e seus autores nativos, e a consequente redução do preço final do livro, para incentivar a leitura dos brasileiros. “Sabemos que em relação ao livro, a economia da cultura se faz com a associação de muitos elementos, entre autores, casas publicadoras, gráficas, papeleiros, distribuidoras, livrarias, bibliotecas, escolas, entre outros, mas fundamentalmente, com a relação primária do capital e da força de trabalho. E esta, a força-de-trabalho, quando mais qualificada e valorizada, só faz ampliar os horizontes de toda a sociedade”, afirma o secretário de comunicação e formação do SEEL.

Publicado originalmente em SEEL.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Festa Literária acontece em Cidade Tiradentes


Se ligaí! | Começa nesta sexta, dia 11, a 1ª Festa Literária de Cidade Tiradentes. No domingo, 13, às 16h, compartilho um diálogo com o meu amigo escritor Ademiro Alves (Sacolinha) sobre "Literatura Periférica ou Marginal?", no Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes (Rua Inácio Monteiro, n° 6.900, zona leste de SP). Confira a participação completa http://goo.gl/Rwk93d e participe!

"À deriva", um poema náufrago


Barco lotado de pessoas naufraga no Mar Mediterrâneo  


À deriva

Só tenho minha roupa,
crianças e mulher...
escombros em minhas costas
e a terra sob meus pés

Minha família eu entreguei
para um barqueiro oferecido
Meu dinheiro eu deixei
nas mãos de desconhecidos

A bordo de um bote inflável
foi lançado o meu destino
nas águas frias do Mediterrâneo
eis um novo clandestino

Se o mar for generoso
e a chuva cair amena
e ninguém se desesperar
com o choro das crianças,
sedentas e famintas,
e o bote não virar,
quem sabe
nossas vidas
não fique
no Gibraltar

Em meu país
já fui clandestino
Corri de belgas, franceses,
ingleses, espanhóis,
portugueses, estadunidenses

Corri de todos eles

Em minha cidade
já me iludi
com missões de paz,
liberdade e prosperidade
que fomentaram mais guerra

Me iludi com todas elas

Em minha vila
fui impedido de falar
Minha língua foi proibida
por outra ultramar

E agora não querem me escutar

Desejei a Primavera
renovada em Damasco
e amargurei um porvir
que nunca se realizou

Papel nenhum tem valor
quando se esta em alto mar
A lei num bote inflável é sobreviver
e chegar em paz em algum lugar

A noite turva o horizonte
A manhã lembra que ainda estamos vivos
O mar deixa o corpo salgado
e o sol deixa a pele queimada
A maresia é companheira de travessia

- Vão nos resgatar.
Alguém exclama baixinho
Talvez seja uma mãe
abraçada a seu filho,
talvez seja alguém
delirando nalgum canto

Se tivermos sorte
seremos resgatados com vida
já que a dignidade foi perdida
durante a noite... ou era dia?

O que devo dizer
se eu for resgatado?
Ajude-me... Aiutatemi
Eu sou como você... Yo soy como tú
Não sou terrorista... Ich bin kein Terrorist
Amigo... Ami

Um dia corri deles
e agora eles correm de mim
Me pegam com luvas nas mãos
Me tiram do inferno do mar
e me colocam no inferno da terra

Me chamam de clandestino,
sem papel, imigrante,
refugiado, sem destino
Nunca pelo meu nome

Acaso não tenho direito a um nome,
a uma genealogia, a memória
e lugar?

Todas as histórias que ouvi
de guerras e campos de concentração,
tudo o que me contaram os viajantes
sobre vagões lotados, frio e fome
tudo o que aprendi na escola
sobre liberdade, igualdade e fraternidade,
morreram na praia
como Aylan Kurdi

Terei forças para escalar o muro,
fugir dos cães e dos policiais?
Minha pele resistirá ao arame farpado?
Minha família terá a mesma sorte?

Nas estradas, trilhos e montanhas,
se meus pés aguentarem,
para onde me levarão?

Ouvi dizer que alguns foram abandonados
mortos trancados num baú de caminhão
faltou ar num ambiente sufocante
Mesmo mortos nos abandonam

Somos garrafas lançadas ao mar
Somos a mensagem em carne e osso
Somos fantasmas vagando na terra
Náufragos da civilização
Perdidos num túnel sem saída
Suplicando na porta da fortaleza

Enquanto levamos uma vida proibida
Turistas cruzam o Gibraltar

Os corações estão salgados
e nossa humanidade
está à deriva
em algum bote inflável
em alto mar


Ruivo Lopes


domingo, 6 de setembro de 2015

A universalidade dos versos em "Rua de Trás", da escritora Sonia Regina Bischain



Escrevi o texto a seguir exclusivamente para o Prefácio da 2ª edição do livro "Rua de Trás", da escritora Sonia Regina Bischain. O texto é fruto da leitura e audição da diversidade de vozes ainda silenciadas na literatura brasileira. Boa leitura!

Sonia Regina Bischain, Rua de Trás, 2ª Edição, São Paulo, Maio, 2015.

Prefácio por Ruivo Lopes

A literatura brasileira tem uma dívida com as mulheres. No campo literário, quando são autoras, as mulheres são invisibilizadas pela presença preponderante de autores homens. Nas obras escritas por autoras, as personagens mulheres além de protagonistas são também construídas sem os estereótipos que lhes são atribuídos frequentemente pelos autores homens. Quando são escritoras conscientes da ação cultural desempenhada pela literatura, as mulheres têm seu papel subvertido como quem deseja pela ficção transformar a realidade, assim, afirmam sua existência na busca pela visibilidade negada e o protagonismo na construção da sua própria dignidade. Visibilidade e protagonismo são elementos fundamentais para uma escrita libertadora.

O ato de escrever é também o de anunciar um mundo não só tal como ele é mas também como ele poderia ser. É o que faz a escritora Sonia Regina Bischain, em Rua de Trás, primeiro livro de poemas da autora publicado em 2009, em coautoria com a escritora Bárbara Lopes, e que agora tem a 2ª edição, além de autoral, revisitada e acrescida de poemas inéditos que revelam a maturidade de uma escritora que faz da literatura a extensão da própria vida.

Quero falar um pouco das pessoas
que conheci, que admirei
que me ensinaram a ser quem sou.
Não falo de coincidências ou mero acaso.
Mas sim, de fatos de fato.
Quero, portanto e apenas,
contar algumas histórias,
antes que se apague
toda a memória. (pág. 13)

Quando foi lançado em 2009, em tiragem modesta, no contexto dos saraus Poesia na Brasa e Elo da Corrente, localizados respectivamente nos bairros de Brasilândia e Pirituba, periferias das zonas Norte e Oeste de São Paulo, Rua de Trás revelava uma escritora sensivelmente humana, partícipe dos fatos, dedicada a vida e a sua gente. A humanidade é o fio condutor da poesia comprometida de Sônia Regina Bischain.

“procura-se: esperança, solidariedade,
bondade, confiança, generosidade”. (pág. 27)

Na primeira edição, a autora, além dos poemas, assina também o projeto gráfico, e nele imprime sua visão de mundo em fotomontagem que compõem a capa do livro. Nela, a cidade assume camadas sociais diferentes, sendo a base a estrutura típica dos centros urbanos representadas pelos edifícios verticalizados cujo colorido destaca esculturas de arte a céu aberto, ao fundo e se sobrepondo em maior escala aparece a típica paisagem das periferias cujas construções modestas beiram o córrego ao centro da imagem, sem colorido, só o contrates do preto e branco, assumindo o tom cinza e melancólico das margens da cidade. Coerente com a poética presente em cada um dos seus verso, Sonia Regina Bischain reserva a terceira e última camada da fotomontagem para um horizonte amarelado, sugerindo um entardecer de mais um dia suado, sucedido pelas esperanças cotidianas “do lado de cá do Tietê”, o rio que divide o Centro da Zona Norte paulistana. É no horizonte que está a redenção de quem encontrou morada na Rua de Trás.

Que acendam todas as luzes
da cultura, da educação, da saúde,
de todos os direitos elementares
de todos os homens.
Que seja dia!
Que venha o dia! (pág. 24)

Há algo incomum e também em comum na apresentação da primeira edição que permeia todo o livro. O incomum é o livro trazer duas apresentações, uma do poeta Vagner Souza, e outra da poeta Raquel Almeida, ambos integrantes dos  saraus já mencionados nesta nova apresentação. Em comum, estão os referenciais usados por ambos para situar o leitor e a leitora no livro. O lugar de fala da autora, a persistência dos sonhos ainda a se realizarem, a reivindicação da memória como condição de existência, a urgência dos tempos, a esperança de um futuro inevitável, as duras lições da história que unem e também separam gerações, são enunciados para a poética de Sonia Regina Bischain.

A 2ª edição de Rua de Trás vem de novo a lume após a autora ter publicado dois romances “Nem tudo é silêncio” (2010) e “Vale dos Atalhos” (2013). Os poemas acrescidos a esta nova edição foram escritos entre a publicação dos dois romances e apesar da diferença no gênero, é possível encontrar diálogo entre a prosa e a poesia da autora.

Como se já não bastasse a sensibilidade poética da autora na precisão do conteúdo e da forma dos seus versos, o que garante a ela uma estética própria, Sonia Regina Bischain provoca no leitor e na leitora a sensibilidade imagética das fotografias autorais, isso quando não promove o casamento do texto com a imagem, imprimindo seu olhar poético que enriquece o livro. Assim, as imagens parecem acolher o verso sobreposto e potencializado na leitura conjunta, um apelo à memória e ao não esquecimento.

De sorte algumas palavras
semeadas em campo fértil deram frutos, me
saciaram de beleza, me mataram a fome e a sede
de conhecimento, me encheram de esperança e
coragem. Passo adiante, a qualquer tempo:
palavras. Para quem quiser: palavras que
alimentam, fazem sonhar, e distraem o tempo. (pág. 14)

Na poesia de Sonia Regina Bischain os ninguéns da história são chamados pelos nomes “Carlos”, o jovem negro, órfão, pobre e lindo que morreu de meningite e “Leandro”, vitima do preconceito da nossa sociedade. A autora também rende sua femenagens a duas mulheres igualmente humanas, a cantora argentina Mercedes Sosa, a voz da latinoamerica, morta em 2009, e a médica brasileira Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança, morta em 2010, no terremoto que devastou Porto Príncipe, capital do Haiti. Há também odes a “Família”, iniciada com a trajetória de “Duas mulheres”, passa pela despedida de “Djalma”, até chegar no “Autoretrato” da autora.

O lugar também ocupa espaço basilar na poesia de Sonia Regina Bischain, misturando-se organicamente a autora. Ora ela remonta o espaço vivido como se fosse um quebra-cabeça em “Como era bela a rua de trás” (pág. 46) seguido de “A rua da frente e a rua de trás” (pág. 119). Ora é o lugar que localiza e, assim, remonta a vida da autora.

Firmei minhas raízes
planto palavras
Aqui, neste meu lugar  (pág. 87).

Enfim, eis a poesia de Sonia Regina Bischain, ancorada nos sonhos e esperanças que nasceram no breve e intenso século XX - alguns poemas datados ainda da conturbada e dura década de 70, outros das décadas seguintes, lembrando um tempo que continua hostil a utopia e ao novo -, permanecem vivos e pulsantes neste limiar do século XXI, ainda fértil de possibilidades no horizonte.

Ao versar a Rua de Trás, Sonia Regina Bischain é universal!

Adquirira seu exemplar diretamente com a autora: soniabischain@hotmail.com