sábado, 20 de junho de 2015

Camará de ritmo e poesia


Programação completa do Palco Sarau: http://goo.gl/OZRsLN



Camará de ritmo e poesia.

Começa hoje, dia 20, a Virada Cultural, tradicional evento de apresentações artísticas espalhado por toda a cidade de São Paulo. A partir das 18h, quando você e eu não estivermos em algum palco, empunhando um poderoso microfone, ampliando a voz, os versos e as ideias, certamente estaremos misturados entre o público, traficando informação, com livros nas mãos, nas sacolas ou nas mochilas, nossas livrarias ambulantes de cada dia.

Esta mensagem é para você que nas próximas 24 horas vai estar sobre algum palco ou na rua.

O Brasil, este país de contrastes, tem sido palco de uma onda hostil aos Direitos Humanos, especialmente aos das mulheres, da população LGBT e principalmente da Juventude, a maior vitima da violência de Estado e do racismo que atingem negros, pobres e moradores das periferias brasileiras. São Paulo, a Capital mais rica do país, e por isso mesmo muito desigual, é um bastião do conservadorismo. Enquanto no Congresso Nacional políticos covardes se esforçam para aprovar leis que ferem os Direitos Humanos, como a redução da maioridade penal, na Câmara Municipal de São Paulo, outros políticos apequenados retiraram do texto do Plano Municipal de Educação, que valerá para a próxima década, as menções sobre abordagens de gênero e diversidade nas escolas municipais, violando os direitos das crianças de refletirem sobre o sexismo, o machismo e a LGBTfobia. Um verdadeiro retrocesso, marcha ré, atraso promovido por políticos covardes apoiados por uma turba de teleguiados que se pudessem instalariam pelourinhos em praça pública.
 
Nossos ritmos e poesias foram salgados pelo Atlântico, nossos versos foram escritos com sangue e suor que ainda mantém úmida cada palmo de chão desta terra, nossas batidas assustam o velho e anunciam o novo. Somos temidos porque somos o que somos, corpos livres e rebeldes!
 
Cultura e arte também são dimensões políticas. Nesta Virada Cultural, camará, quando você estiver com um poderoso microfone na mão, diante de um público que irá ouvi-lo, ser teu cúmplice, não tenha dúvida, pense nos humilhados e ofendidos desta terra, fale em defesa deles. A Virada Cultural tem só 24 horas, as violações de Direitos Humanos são cotidianas. Ou colocamos um fim nas violações de Direitos Humanos ou elas colocarão um fim na gente. 

Camará, de que lado você vai sambar?

Nos vemos nas ruas!

domingo, 7 de junho de 2015

Movimento Negro dá recado: a luta não acabou!

Brasil de Fato, 14/05/2015

Em ato do 13 de maio, Movimento Negro dá recado: a luta não acabou!

Manifestação reuniu diversas entidades que denunciaram o racismo, pautaram a necessidade das cotas raciais nas universidades e instituições públicas e a luta contra a redução da maioridade penal

Por Simone Freire, de São Paulo (SP)

Cartazes, bandeiras, palavras de ordem e dezenas de pessoas levaram uma mensagem às ruas nesta quarta-feira (13), no centro de São Paulo: a luta do negro no Brasil não acabou após a Lei Áurea, que concedeu liberdade aos escravos em 1888.

O "13 de Maio de Luta" reuniu entidades do movimento negro, como Uneafro e rede Emancipa, movimentos como o Levante Popular da Juventude e integrantes da rede de cursinhos populares, professores e estudantes.

A manifestação saiu do Largo da Batata, na região oeste da capital, ocupou uma das faixas da Avenida Rebouças, e se dirigiu para a Universidade de São Paulo (USP). O ato seguiu pelo interior da universidade até à frente da Faculdade de Economia e Administração (FEA), onde foi realizada uma assembleia.

Pós-abolição

As falas dos participantes salientaram que, além do 13 de maio, o 14 de maio, primeiro dia pós-abolição, foi o mais importante para a luta afrodescente, uma vez que milhares de negros e negras se viram desamparados pelo Estado e pela sociedade, precisando buscar formas de sobrevivência e de conquistar seus direitos.

É o que aponta o educador e integrante do Coletivo Literário Perifatividade, Ruivo Lopes. Segundo ele, o dia 14 de maio já dura mais de cem anos, pois "junto com a abolição da escravatura não veio a restituição das terras que foram roubadas, não veio a restituição de todo o trabalho empreendido durante a escravidão no país, que ajudou a construir toda a sua riqueza. Até hoje esta luta pela reparação histórica é permanente".


Estatísticas e episódios rotineiros de racismo comprovam que é negada à população negra as mesmas condições de vida na sociedade. Para Wagner Tito, do coletivo de Esquerda Força Ativa, o que o Brasil vive hoje é uma abolição inacabada.

"Ainda vivemos no 14 de maio porque o Brasil tem uma dívida histórica com o nosso povo. Não adianta achar que nós somos libertados, livres porque em uma sociedade escravista, capitalista e machista, nós temos que lutar contra todas as formas de opressão. E a luta contra o racismo se faz fundamental. Seja você branco ou negro, independente de etnia, a luta contra o racismo é uma luta de humanos contra esta doença que não precisa existir", apontou.

Genocídio

Cantando "Acabou o amor, vai ter cotas na USP, sim senhor", o movimento negro também levou para às ruas, nesta quarta-feira, a necessidade das cotas raciais nas universidades e instituições públicas. 

Foi este o principal apontamento feito por Milton Barbosa, um dos fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU), que foi ovacionado pelos manifestantes. "A universidade pública não pode ser só para brancos e ricos", disse.

A luta pela não redução da maioridade penal e contra os projetos de ampliar as terceirizações no país também foram lembradas na marcha, além da denúncia do genocídio da juventude negra em favelas e periferias das cidades.

Cláudia Silva, empregada doméstica; Amarildo, ajudante de pedreiro; Douglas (DG), dançarino, e as centenas de vítimas assassinadas todos os anos pela Polícia Militar, foram evocados durante todo o trajeto.
 

"Se bandido bom é bandido morto, por que Alckmim, Maluf, família Saney, ainda concentram riqueza e estão vivos?", ironizou uma das integrantes do Levante Popular da Juventude ao microfone.

Fundado por funcionários, estudantes e professores em 13 de maio de 1987, o Núcleo de Consciência Negra da USP (NCN) também foi parabenizado. Maria José Menezes, coordenadora do NCN, fez questão de lembrar da importância de se resgatar e destruir os estereótipos atribuídos à cultura e tradição dos negros.

"Nós civilizamos o mundo, somos os pensadores. Nós precisamos nos apoderar desse conhecimento e mostrar para nossos jovens", disse. 

Fotos: Simone Freire

Publicado originalmente em Brasil de Fato

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Dona Selma Maria de Jesus ou simplesmente Carolina!


Dona Selma, no Sarau União das Vilas, zona leste de SP

Recentemente, estive no Seminário Territorialidades de Carolina, organizado pela escritora Cidinha da Silva e pelo padre Mauro Luis da Silva, no Museu de Quilombos e Favelas Urbanos (MUQUIFU), localizado no Morro do Papagaio, em Belo Horizonte (MG). Minha participação foi provocada pelo tema "Carolina, escritora e catadora dos anos 1950 e sua relação com as catadoras de material reciclável do século XXI".

Carolina Maria de Jesus, mulher, negra, mãe que durante muitos anos sustentou a si e os filhos catando papel e vivendo na extinta favela do Canindé, na contramão do seletivo progresso paulista, então a todo vapor no início dos anos 1950 do século passado.

Invejável escritora, fenômeno de vendas no Brasil e no exterior na década seguinte, Carolina não catava só papel, catava também livro, fazia leitura e devolvia em forma de literatura a sua história e os pedaços das histórias da sua gente.

O "diário de uma favelada" de Carolina Maria de Jesus despertou a curiosidade mórbida da elite paulista por revelar segredos do "Quarto de despejo", o "exótico" cotidiano popular na literatura da época, escrito na primeira pessoa, desprezado na "sala de estar" do lado rico da cidade de São Paulo.

No Brasil do século XXI, na contramão do desenvolvimento graúdo, estima-se que há entre 400 mil e 600 mil catadoras e catadores que vivem da coleta de materiais recicláveis, dos quais uma parcela significativa é composta por mulheres, negras, mães, empobrecidas e moradoras das periferias dos grandes centros urbanos.

Particularmente, no caso das mulheres, donas de casa e chefes de família, elas catam mais do que materiais recicláveis, recolhem também pedaços da própria dignidade espoliada pelos efeitos da exclusão e como Carolina também "sonham" com um vida melhor.

Dona Selma era mulher de fé e catadora com muita dignidade, fazia parte da Cooperativa de Reciclagem Nova Esperança, na periferia da zona leste da Capital mais rica do país. Na vida, ela praticava o cooperativismo que tinha mudado a vida dela e de tantas outras pessoas Brasil afora que sustentam suas famílias em Cooperativas de Reciclagem espalhadas pelo país. Uma revolução silenciosa composta por laços de solidariedade e apoio mútuo, lemas do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, um dos movimentos sociais mais importantes hoje no país.

Dos tempos da favela do Canindé para as Cooperativas de Reciclagem de hoje muita coisa mudou. Se estivesse viva, Carolina incluiria os nomes de muitos políticos mesquinhos e "gente de bens" nos seus diários. Dona Selma tinha fé que catadores e catadoras de materiais recicláveis ocupam um lugar digno na sociedade brasileira, mesmo com todas as dificuldades, e ajudam a escrever a história de um Brasil mais justo, mais igualitário e com menos exclusão.

Dona Selma chamava-se Selma Maria da Silva e também era uma Carolina!