segunda-feira, 27 de maio de 2013

Exclusão na Literatura Brasileira: quando a ficção é o retrato da realidade


A matéria abaixo foi publicada na revista digital NIMBUS, editada por alunos do curso de jornalismo da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), no Rio Grande do Sul, e, tendo como base a pesquisa da professora Regina Dalcastagnè, da UNB, sobre a exclusão social na produção literária brasileira contemporânea, aborda outras fontes onde sujeitos literários que habitam nas margens e personagens excluídos e indesejáveis escrevem e fazem suas próprias histórias.




Os protagonistas esquecidos
Por Dairan Paul, Guilherme Porto e Vitor Dornelles

“Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão”, escreve Lobato. Jeca Tatu e a debilidade do camponês atrasado seriam a cara e a fuça do preconceito, se ele tivesse uma. Lima Barreto, relegado à sarjeta pela Academia Brasileira de Letras, toma mais um gole de cachaça para canonizar de vez as frustrações. Enquanto isso, o túmulo de Machado de Assis treme a cada tentativa de branqueamento do maior autor de nosso país.

Não é de se surpreender: a pesquisa realizada por Regina Dalcastagnè, professora da Universidade de Brasília, indica que a literatura brasileira é um campo predominantemente dominado por autores homens e brancos. Os resultados estão no livro “Literatura brasileira contemporânea“, lançado pela Editora Horizonte em 2012.

O recorte da pesquisa de Regina abrange 258 romances brasileiros publicados entre 1990 e 2004 por três das maiores editoras do país: Companhia das Letras, Rocco e Record. Dentre os dados levantados pela professora, estão que 72,7% dos romances foram escritos por homens e 93,9% por brancos. A representação dos negros, na ficção, se dá em sua maioria como bandidos; as mulheres, como donas de casa ou prostitutas; e o homem branco, como artista ou jornalista.

Regina acredita que os dados da pesquisa não seriam muito diferentes se realizados com outras editoras. “Também temos números semelhantes aos que obtivemos em relação à autoria dos romances na telenovela, no jornalismo, na câmara dos deputados… Os espaços de produção de discurso ainda são, predominantemente, domínio de homens brancos de classe média. O que implica em predominância de uma determinada perspectiva social, e que vai dar, muito frequentemente, em uma construção discursiva semelhante a respeito do outro.” Atualmente, a professora dá continuidade à pesquisa, agora analisando os romances publicados no período de 2005 a 2014. Os dados parciais, por enquanto, não diferem muito das pesquisas anteriores.


A história e a sina do romance brasileiro

Segundo Érica Peçanha – antropóloga e escritora do livro “Vozes marginais na literatura” (Aeroplano, 2009), resultado de sua dissertação de mestrado -, a literatura é uma construção catalisadora de emoções, conhecimento, valores e mensagens políticas. Ao mesmo tempo em que ela pode divertir e entreter, também informa e amplia a capacidade crítica do seu leitor. “Literatura é sempre uma representação que interpreta e organiza aspectos da realidade, em termos estéticos. Como produção artística, carrega consigo marcas históricas, convenções e construções sociais”.

Ora, se a literatura traz determinados aspectos de seus autores, a representação de negros e mulheres na pesquisa de Regina não surpreende tanto, dado que estamos inseridos em uma sociedade brasileira ainda racista e machista. Érica cita o sociólogo francês Pierre Bourdieu para explicar que escritores, quando se lançam ao campo literário, estão orientados pelas ideologias e práticas de suas classes sociais. Dar voz ou silenciar certas camadas da sociedade seriam aspectos intrínsecos à própria produção literária.

Éle Semog (pseudônimo de Luiz Carlos Amaral Gomes, poeta, militante do movimento negro e atual Secretário Executivo do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas) considera complexo para a maioria dos escritores brancos brasileiros construírem subjetividades e humanidades nas personagens negras. “É a história e a sina do romance brasileiro”, lamenta o poeta. No entanto, Semog encontra na literatura afro-brasileira personagens – homens e mulheres negros – que ocupam outros lugares. “A literatura negra brasileira, a partir de fins dos anos de 1970, se estabelece com o propósito ideológico de dar outro destino aos personagens negros, homens, mulheres, crianças e idosos, e, principalmente, combater o racismo no Brasil”.

A literatura não é a principal responsável pela discriminação e preconceito de determinados grupos e também não deve ser entendida como a ferramenta que transformará essa situação, escreve Regina Dalcastagnè. Isso não exclui a responsabilidade social que há por trás dela. Entendida como um discurso, a narrativa ficcional pode tanto reforçar preconceitos como questioná-los e abordar novos modos de pensar nossas relações com o outro.


Preconceito em forma de ficção

Um dos casos emblemáticos de preconceito na literatura brasileira é a polêmica em torno da obra de Monteiro Lobato. O autor foi acusado de racismo nos textos “As Caçadas de Pedrinho” e “Negrinha”, além de simpatizar com as ideias da Ku-Klux-Klan e da eugenia, base do pensamento nazista. Éle Semog não considera a discussão nem mesmo um “caso”, mas um “desastre”.

É comum argumentar que ler Lobato não torna a pessoa racista. “Mais notável ainda, todos eles [os leitores de Lobato] declaram com absoluta certeza não terem se tornado racistas, num país em que mais de 90% da população reconhece a existência do racismo (ao mesmo tempo em que, claro, mais de 90% declara não ter nenhum preconceito racial)”, explica Idelber Avelar.

Idelber é professor titular de Literaturas Latino-Americanas e Teoria Literária na Universidade Tulane, em New Orleans. Sobre o racismo na literatura, ainda comenta: “O brasileiro branco se acha uma ilha de tolerância cercada de racismo por todos os lados, mas basta colocar em pauta um caso óbvio para que o negacionismo se veja de forma nítida, em geral com um furor que recorre a termos como ‘censura’ antes sequer que se coloque em pauta o problema de se indicar ou não livros de um racista como ele a crianças de nove ou dez anos de idade, na escola pública. O caso Lobato é uma grande lição sobre os mecanismos através dos quais opera o negacionismo no Brasil.”

Mesmo os cânones literários não escaparam de sofrer preconceito. Se chamar Machado de Assis de mulato em 1908 causava espanto, que dirá, 103 anos depois, o branqueamento do autor em um comercial da Caixa Econômica Federal? Da mesma forma, também o caso de Lima Barreto, recusado na Academia Brasileira de Letras – além de utilizar um português mais coloquial em seus textos, fugindo aos padrões da época, era pobre, negro e alcoólatra. Barreto se junta a Carolina Maria de Jesus, autora negra, e João Antônio, escritor que retratava os protagonistas das periferias brasileiras. O trio de autores desajustados pode ser considerado como o precursor do movimento da literatura marginal.


À margem da estética

Se Lima Barreto não conseguiu entrar na Academia Brasileira de Letras no começo do século XX, as possibilidades atuais não seriam muito mais animadoras. Para o professor Fernando Villarraga do curso de Letras da UFSM, o fenômeno da literatura marginal-periférica é tanto reconhecido, como ignorado, em determinados setores. São raros os currículos que incluem disciplinas para discutir o tema dentro da universidade. “A questão concreta é que ela está aí, está viva e está funcionando, e tem um tipo de produção e circulação por canais que nem sempre o mundo acadêmico gosta de olhar sem preconceito”. Além de Ferréz, articulador e ideólogo do movimento, há poucos autores estudados no contexto acadêmico.

Tanto Érica Peçanha quanto o poeta Nelson Maca reconhecem que as atenções para a literatura marginal-periférica se dão muito mais nos âmbitos sociopolíticos do seu surgimento do que na reflexão crítica sobre os fenômenos estéticos que envolvem a corrente. O que diferenciaria, por exemplo, os textos de Rubem Fonseca, sobre a periferia, e os de Ferréz? Nas palavras de Idelber Avelar, as respostas vão desde os processos de produção, circulação e consumo destas obras até o pacto de comunidades interpretativas sobre o que é legitimamente estético ou não. Para além disso, deve-se levar em conta ainda a ideologia que cerca seus personagens, como observa Regina Dalcastagnè: “há um indisfarçável ponto de vista da elite nos contos do primeiro [Rubem Fonseca], mesmo quando narrados por marginais, o que permite uma identificação mais fácil do leitor de classe média, enquanto o segundo [Ferréz] traz justamente uma crítica a esse olhar, desestabilizando-o ao se colocar ao seu lado como outra perspectiva possível.” Não à toa, boa parte da literatura marginal-periférica possui caráter autobiográfico.

Mesmo nos cânones literários, a função estética também pode se perder. Segundo Regina, não é apenas a função social da literatura que deixa de existir quando exclui grupos, mas a própria reiteração de estereótipos de negros e mulheres, por exemplo, torna o conjunto empobrecido. Se a literatura marginal-periférica tende a tornar sujeitos segregados como donos de seus discursos e dar visibilidade a novos olhares sobre a periferia, então o fenômeno merece atenção, especialmente nas novas discussões que pode trazer para dentro do campo literário. Viver do passado – em busca de um novo Machado de Assis, preferencialmente mais branco – é renegar os novos Limas Barretos, não somente dentro da Academia, mas também do debate literário. Procurar novas Clarices ou Guimarães não faz sentido, já que o conceito de valor literário trabalhado pelas comunidades interpretativas, como explica Idelber, foi estabelecido pela própria Lispector, pelo próprio Rosa. Por ora, a busca de velhos cânones para resguardar a “alta” literatura bate de frente com o crescimento dos atentados poéticos da periferia – queira ou não a Academia. 

A primeira parte da matéria foi publicada originalmente no sítio da revista digital  Nimbus.


Eles também serão eternizados
O boom da expressão “literatura marginal” ocorreu após três edições especiais da revista Caros Amigos sobre o tema. Publicados em 2001, 2002 e 2004, os suplementos apresentaram 48 autores à margem do campo social e literário. No manifesto de abertura escrito por Ferréz, o recado é direto: “(…) estamos na área, e já somos vários, e estamos lutando pelo espaço para que no futuro os autores do gueto sejam também lembrados e eternizados”.

Literatura marginal, subalterna*, periférica. Os conceitos são diversos, mas compreendem a gama de personagens à margem da sociedade, escrevendo sobre si ou não. Nelson Maca, poeta, professor de literatura da Universidade Católica de Salvador (UCSal) e articulador do coletivo Blackitude Hip-Hop, sugere ainda outro termo: literatura divergente. “Quando defendo este conceito, estou realmente pensando em territórios segundo nos orienta o geógrafo Milton Santos. E, se falo em manifestações literárias distintas de territórios distintos, isso só pode acontecer num ambiente cultural onde a diversidade seja respeitada e incentivada. Dentro de nossa sociedade, equivale a dizer libertária!”. Em seu Manifesto, Maca explica que a divergência é em relação à “monocentralidade”, que estipula um centro e uma periferia. Ao desviar de um cânone, uma central universal, os autores se reagrupariam – de acordo com suas naturezas comuns, sejam elas raça, classe, gênero – em um novo processo, de convergência.

Ruivo Lopes, ativista cultural, também entende a literatura marginal-periférica como a quebra da ideia de cânone e do “injusto latifúndio editorial” que ainda persiste no Brasil. “A literatura é um produto cultural ainda muito valioso no Brasil. Veja as listas dos mais lidos, as resenhas e anúncios literários na imprensa dominante, as entrevistas com escritores em programas de televisão, as vitrines das grandes redes de livrarias que ditam o que você vai ler. Tá tudo dominado! Essa é uma realidade e não convém falseá-la”. Lopes cita iniciativas editoriais à margem do mercado, como a Edições Toró, hoje referência da literatura da periferia. Programas como A Beira da Palavra, transmitido pela Rádio USP e produzido pelo escritor Allan da Rosa, também trazem novos autores ao público.

O crescimento dessas produções é o aspecto que mais impressionou a antropóloga Érica Peçanha, quando começou a se interessar pela literatura marginal-periférica. Há cada vez mais publicações de livros, bem como a elaboração de editais públicos específicos para artistas e ativistas moradores de periferias e favelas. O papel central dos saraus também auxilia na multiplicação de novos autores.


No céu, a poesia

Originalmente ligadas aos românticos europeus, os saraus eram tidos como uma válvula de escape à racionalidade capitalista e à criação convertida em mercadoria. No Brasil, decaíram após o período modernista. O seu resgate, nas comunidades periféricas, busca trazer a palavra como potencialidade sensibilizadora. Para uma sociedade em que o sentido predominante é o da visão, a volta dos saraus soa desafiadora. Outro sentido dado à retomada é provocar a supervalorização da cultura escrita. Para Ruivo Lopes, a oralidade ainda é subestimada**.

Lopes comenta que os saraus acolhem pessoas que não tem como lançar suas obras nos espaços literários tradicionais. “Se não fosse eles, muita gente ainda teria seus livros guardados depois de lançados”. As publicações acontecem em antologias literárias dos próprios saraus.

O ativista explica o papel que as práticas têm de funcionar como “bibliotecas comunitárias vivas”, ajudando na formação de novos poetas, escritores e escritoras, e estimulando o interesse da comunidade pela participação e apreciação literária. É comum, portanto, que saraus realizem outras atividades além da leitura de textos, como o caso da Cooperifa, que lançou balões pelo céu de São Paulo contendo poemas. Os ataques poéticos idealizados por Sérgio Vaz, um dos grandes nomes da literatura marginal-periférica, contrapõe a ideia de que na periferia só vem bala perdida.

Durante um ano, Ruivo apresentou o Sarau da Ocupa. Acontecia duas vezes ao mês, no espaço comunitário de uma ocupação de moradia, no centro de São Paulo. Através da literatura da periferia, Ruivo organizou atividades educativas para as crianças e adultos da ocupação. Agora, atua no Coletivo Perifatividade, na região do Fundão do Ipiranga, zona sul de São Paulo, e registra em seu blog todas as atividades que faz parte. “Os saraus então por toda a periferia da cidade – na Agenda Cultural da Periferia tem um lista grande. Há saraus em outros estados também. Novos sempre surgem com características e reivindicações próprias, mas sempre inventando um novo jeito de se relacionar e de se afirmar com a literatura, ecoando novas vozes literárias e imprimindo novas caras no cenário literário da periferia pro Brasil, e até pro exterior também”. 

A segunda parte da matéria foi publicada originalmente no sítio da revista digital Nimbus.

* Nota deste blogueiro 1: A Literatura feita a margem também da produção literária dominante e que emerge da periferia tem assumido nomes que lhe confere identidade própria (marginal, periférica, suburbana, divergente, negra), mas nunca "subalterna", ou seja, sob as ordens ou subordinada a quem ou ao que quer que seja.

** Nota deste blogueiro 2: Os saraus também incentivam a leitura, a escrita e a fala da  palavra e do mundo que nos cerca e nos habita. Literatura não é feita só de palavra escrita. A oralidade é a expressão da fala e da palavra escrita, lida e ouvida em linguagem própria, enraizada na memória individual e coletiva, presente no tempo e no mundo. É a cultura dominante da palavra escrita que subestima a oralidade. Como escapou da edição, reafirmo: não é porque não está escrito que a riqueza oral tem menos valor.

Numa outro oportunidade, disponibilizarei neste blog a íntegra da troca de ideia com a revista digital Nimbus. 


Leia também: Literatura como campo de batalha (clique)

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Por que apóio a greve dos professores e professoras de SP


Todo apoio a greve dos professores e professoras de SP

Eu tinha registrado aqui neste blog que o Brasil ainda não sai bem na foto quando o assunto é Educação. Uma contradição para um país bem posicionado entre as maiores economias do mundo. Naquela ocasião, tinha anotado que no Brasil não falta dinheiro, o que falta é investimento direto na Educação. Com razão, comemora-se toda vez que avanços importantes acontecem, necessárias correções históricas são feitas e também quando se faz justiça na Educação no Brasil.

Já tinha anotado também que na ponta do problema professores e professoras de instituições públicas enfrentam duras rotinas de sala em sala, de escola em escola para equilibrar de um lado o ofício exigido pela profissão e de outro as contas pessoais. Soma-se assim exaustiva jornada de trabalho, grandes deslocamentos e baixos salários.

Recentemente, professores e professoras da rede estadual de ensino fizeram greve por melhorias no exercício da profissão docente. Mobilizaram-se e foram para as ruas. Exigiram muito, ganharam pouco e a greve foi suspensa pelo sindicato que representa a categoria. Terminou a greve, sobraram controvérsias.

Neste momento, professores e professoras da rede municipal de ensino de São Paulo estão em greve. Parece que exigem muito. Mas só parece. Exigem que o atual prefeito cumpra a afirmação feita por ele durante debate na campanha eleitoral de que daria um reajuste de 25% nos salários dos docentes. Segundo o então candidato, o reajuste era justo porque não se tratava de uma promessa de programa partidário e sim do cumprimento de uma lei já aprovada e acordada com a categoria naquela gestão. Cabia a ele apenas cumprir a lei. Uma vez no poder, entram em cena as limitações pragmáticas.

Direito a greve não se negocia. O que se negocia é o cumprimento das pautas de reivindicações colocadas pela categoria. Nem a greve é balcão de negócios e nem as reivindicações são moedas de troca para interesses que não os compromissos com a categoria e a sociedade que neste caso tem a Educação como direto fundamental.

As greves docentes nos seus diferentes níveis e orientações sempre apresentam pautas de reivindicações justas. Investir na docência é investir na Educação. Portanto, não há pauta que seja abusiva naquilo que só o poder público pode cumprir.

Em suma, o que os professores e professoras da rede municipal de ensino em greve no momento exigem é o reajuste salárial como previsto em lei, melhoria no plano de carreira e nas condições de trabalho, como diminuição do número de alunos por sala. Tudo muito claro!

Acontecimentos corriqueiros têm mostrado que na mesa de negociações entre dirigentes sindicais e poder público são diluídos não apenas o açúcar empedrado no café amargo, mas também a tensão necessária onde nem sempre os interesses defendidos em gabinetes representam os interesses de quem participa de tudo com os pés no chão e nas salas de aula. E é justamente quem tem os pés no chão e nas salas de aula quem faz a diferença no dia a dia da educação!

Professores e professoras em greve têm nas mãos o poder de ensinar a prefeitura de SP, a cidade mais rica do país, e até aos dirigentes de suas próprias organizações de classe, que costumam decidir tudo no alto, que cidade educativa é cidade com educação pública, gratuita e de qualidade ancorada em um Projeto de Educação gestado no seio popular, transformador, participativo e inclusivo, incompatível com as atuais estruturas que mantém desigualdades sociais histórias, a começar pela desvalorização dos seus educadores e educadoras.
 
Recall

Após acordo da prefeitura com o sindicato que representa a categoria, a greve docente municipal foi encerrada na tarde do dia 24, decidida no alto dos gabinetes e depois repercutida em bom som no carro de som, como de costume. Acredito em quem tem os pés no chão e nas salas de aula, fazendo a diferença no dia a dia da Educação. Salário é bom e quando é justo é melhor ainda. Mas nem só de reajustes vive a Educação. Acabou a greve, fica a lição!

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Virada Cultural: nos vemos nas ruas!


Confira a programação completa aqui!


Começa amanhã (18), mais uma edição da Virada Cultural em SP. Serão 24 horas de apresentações de variadas linguagens artísticas.

É tudo nosso...

Muito ritmo e muita poesia é o que prometem os bondes de saraus que tomarão os palcos dos largos São Bento e Santa Ifigênia, durante a Virada neste final de semana em SP.

Cultura de rua...

Em destaque está a volta do Hip Hop pros palcos da Virada. Pro jeito que foi saído, esta volta é indiscutivelmente significativa. Desde a violência da polícia militar contra o público durante a apresentação do Racionais MCs, em 2007, o Rap foi sendo injustamente banido, criminalizado e dispersado nas últimas edições desta que é a maior mostra artística de SP. A volta do Racionais MCs é o maior destaque da Virada.

Cadê...

Porém, não passou desabercebida a ausência das rappers no destaque e na programação de 2013. Eventos como a Virada costumam ser também espelhos da cultura presente na sociedade. Por acreditar que é obrigação do poder público agir para corrigir desigualdades, criadas ou alimentadas, por ação ou omissão, por ele próprio historicamente, é que compartilho da indignação da rapper Sharylaine em relação a invisibilidade das rappers na Virada. Nomes tem e de sobra pra equilibrar a balança. Faltou vontade pra incluí-las!

Pro que der e vier...


Divas do Hip Hop: Yzalú, Amanda NegraSim, Karol de Sousa, MC Stefanie, Karol Conká e Lurdez da Luz, mês passado no Sesc Itaquera. E tem muito mais.

Enfrentando desigualdades...

Acredito que cultura é também uma forma de enfrentamente das desigualdades. Se quiser ser realmente inclusiva, é bom que a Virada Cultural comece a dar exemplo.

A propósito...




Nos vemos nas ruas!


segunda-feira, 13 de maio de 2013

13 de Maio: que história é essa?




Código Penal da Republica dos Estados Unidos Do Brasil
Decreto numero 847, de 11 de outubro de 1890
 
Capítulo 13 - Dos vádios e capoeiras
 
Artigo 402:
 
Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal conhecido pela denominação capoeiragem, andar em correrias com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordem, ameaçando pessoas certas ou incertas ou incutindo temor de algum mal:

 
Pena - de prisão cellular de dois a seis meses.
 
 
Parágrafo único. É considerável circunstância agravante, pertencer o capoeira a algum bando ou malta.

 
Aos chefes, ou cabeças, se imporá pena em dobro
 
Iêêêêêê
 
Dona Isabel que história é essa
Dona Isabel que história é essa
De ter feito abolição
De ser princesa boazinha que libertou a escravidão
Eu tô cansado de conversa
Tô cansado de ilusão
Abolição se fez com sangue que inundava este país
Que o negro transformou em luta
Cansado de ser infeliz
Abolição se fez bem antes e ainda há por se fazer agora
Com a verdade da favela,
E não com a mentira da escola
Dona Isabel chegou a hora
De se acabar com essa maldade
De se ensinar aos nossos filhos
O quanto custa a liberdade
Viva Zumbi nosso rei negro
Que fez-se herói lá em Palmares
Viva a cultura desse povo
A liberdade verdadeira
Que já corria nos Quilombos
E já jogava capoeira
Iêêê viva Zumbi...
Iêê Viva Zumbi camará

Iêêê Rei de Palmares
Iêê Rei de Palmares camará

Iêê Libertador
Iêê Libertador camará

Iêêê Viva Meu Mestre
Iêê Viva Meu Mestre camará

Iêêê quem me ensinou
Iêê quem me ensinou camará

Iêêê a Capoeira
Iêê a Capoeira camará
 
 
A Consicência Negra que rompe com a Abolição da Escravatura
 
 
 
 
O poeta e ativista negro Oliveira Silvera (1941-2009), numa entrevista muito esclarecedora e documental, conta por que o movimento negro, em plena ditadura militar, resolveu buscar uma nova data para reverenciar a luta dos negros e negras contra o regime escravagista, em substituição ao 13 de maio.
 



Isso ocorreu em 1971. Estávamos insatisfeitos com o 13 de maio. Havia um grupo de negros que se reunia na Rua da Praia [no centro de Porto Alegre] e o nosso assunto, invariavelmente, era a questão negra e o fato de o 13 de maio não ter maior significação para nós. Logo, surgiu a idéia de que era preciso encontrar outra data. Eu, como gostava de pesquisar, aprofundei-me nisso. E encontrei material, cuja fonte era Édison Carneiro, autor do livro O Quilombo dos Palmares, indicando que Zumbi dos Palmares havia sido morto em 20 de novembro [de 1695]. Essa informação foi confirmada no livro As guerras dos Palmares , do português Ernesto Ennes, no qual foram transcritos documentos. Já que não sabíamos o dia de seu nascimento ou do início de Palmares, tínhamos pelo menos a data da morte de Zumbi, o último rei do quilombo de Palmares, em Alagoas. Então, promovemos uma reunião, que originou o Grupo Cultural Palmares, cuja idéia era fazer um trabalho para reverenciar Palmares e Zumbi como algo mais representativo que o 13 de maio.

 
Oliveira Silveira conta ainda que o movimento queria exaltar a resistência e a liberdade conquistada na luta e não o oficialismo comemorativo que rendesse homenagens à princisa Isabel. Por isso, o rompimento com o 13 de Maio [de 1888, data da Abolição da Escravatura] e o nascimento do 20 de Novembro [de 1695, data da morte de Zumbi dos Palmares], que marca o Dia da Consciência Negra.
 



Nós vimos logo que o 13 de maio [não] teve conseqüências práticas. Não havia medidas efetivas voltadas à comunidade negra. Foi uma liberdade que apareceu apenas na lei e nada de concreto ocorreu depois. Ao mesmo tempo, era uma data oficial, que o oficialismo governamental queria que fosse comemorada, celebrada, com homenagens à princesa Isabel. Ao passo que Palmares significava uma liberdade conquistada na luta, que durou um século inteiro, e, por isso, era plena de significado. Os homens e mulheres quilombolas fizeram um trabalho de resistência, de afirmação da dignidade humana sem precedentes, de luta pela defesa da liberdade. Então, não havia dúvidas de que aquela era a principal passagem da história do negro no Brasil.

 
A entrevista pode ser lida  aqui.
 
 

quarta-feira, 8 de maio de 2013

EntrEvista | Abelardo Rodrigues: um baú de memória que precisa esgueirar-se pelas palavras, a Poesia



A literatura brasileira tem que ter nosso suor, e ainda, o nosso sangue contado, mesmo que em palavras roucas; pelo frio distanciamento que a História do nosso país nos relegou
 

Confira trechos da entrevista que o escritor Abelardo Rodrigues concedeu a Marciano Ventura (Projeto Editorial Ciclo Contínuo).

MINHA TRAJETÓRIA
começa com artigos publicados nos jornais O Vale Paraibano, de São José dos Campos, trabalhei no O Diário de São José, onde publiquei uma série de textos em prosa. Passei rápido pelo jornal Agora, de São José, tudo isso na década de 1970. Publiquei até um pequeno conto no antigo Notícias Populares, de São Paulo quando já morava por aqui.
Tinha alguns contos e versos rabiscados, e não pensava seriamente em poesia. Foi quando conheci Oswaldo de Camargo com quem aprendi que a poesia podia mudar corações e mentes, ou pelo menos, dar um choque em nossas consciências.
Nessa época, existia uma grande efervescência cultural: a poesia marginal, a geração mimeógrafo, livros sendo vendidos de mão em mão, tudo muito artesanal... E à margem do estabelecido, contestações do momento político que estávamos vivendo e, que estava se esvaindo. Tudo isso somado aos encontros literários com escritores negros, Paulo Colina, Cuti, o argentino Mario Jorge Lhescano, contista e tradutor de poetas cubanos, casado com uma brasileira negra e grande conhecedor da literatura de seu país de origem. Fundamos, ou criamos o Grupo Quilombhoje com a proposta de mudanças literárias, de contestar a literatura na qual nós, negros, éramos os excluídos, éramos os indesejados, invisibilizados. As coisas aconteciam rapidamente. E a poesia fluía com grande intensidade, influenciada pelas lutas de libertação dos países africanos de língua portuguesa, Angola e Moçambique, somados à nossa dor pelo sofrimento dos sul-africanos vítimas do Apartheid.
Muitas rodas de poemas, leituras dos poetas negros Áimé Cesáire, Agostinho Neto, meu poeta amado, Arlindo Barbeitos autor de Angola Angolê Angolema, que tive o prazer de conhecer quando ele esteve em São Paulo. E assim, fui caminhando. Depois, o grupo se desfez, ainda houve o Triunvirato, quizilas literárias mil, que fizeram essa literatura negra paulistana crescer ainda mais. O resto é história. E o tempo nos absolveu, a todos.

JÁ A POESIA...
quando eu escrevia textos em prosa, talvez já fosse poeta. Uma certa tristeza, uma certa melancolia, uma certa quizila com as coisas pré-estabelecidas. A poesia brotou em mim acordada por esses sentimentos do mundo, como uma pedra no meio do meu caminho. Pedra, que quanto mais eu tento removê-la, mais ela se fixa em minha alma, um vício, um ofício do meu ser. É difícil dizer quais são os "aspectos decisivos" para minha criação... A vida como ela é, como foi e está sendo para mim. Todo o meu olhar indagador para o mundo. Um baú de memória se enche de algo que precisa esgueirar-se pelas palavras: a Poesia.

NOVA GERAÇÃO
é um continuum. Nosso corpo literário que se vai estendendo, e se distendendo. Formas diferentes de ver a mesma coisa, a mesma dor, a mesma exclusão, as novas formas de sonegar verdades e meias verdades. Uma nova linguagem e ritmo incitando a nossa consciência poética e política. Porque a nossa literatura, pela própria necessidade de se dizer e questionar o status quo; é política. Esses falares e vontades de se fazer uma literatura voltada para a nossa vida e a vida de todos os brasileiros continuam com essa juventude que brande essas palavras e livros desde a periferia até o centro. Nossa literatura vai se espichando até enrolar-se no mundo. Até abraçar-se ao mundo.

TENHO LIDO
principalmente poesia. Um pouco aleatório. Sempre fui indisciplinado comigo mesmo. O Cuti, sempre me cobrou isso. Mas estou lendo os jovens poetas que chegam às minhas mãos... E outros clássicos já, como Leminski, por exemplo. Li pela primeira vez Diário de um Retorno ao País Natal, de Aimé Césaire, O Cavaleiro de Bronze e outros Poemas, de Aleksander Púchkin, Cadernos Negros, e livros de crítica literária, como Afro Descendência em Cadernos Negros e Jornal do MNU, de Florentina da Silva Ramos. Eu fiquei afastado muitos anos do contato social literário de nossa comunidade. Por isso, faço leituras esporádicas dos nossos autores e autoras. Algumas pela internet, outras em antologias. Muita coisa pra ler e quase nenhum tempo. Li também esses jovens poetas Michel Yakini de Acorde um Verso, Sergio Ballouk de Enquanto o Tambor não Chama e Negraciosa de Sidney de Paula Oliveira, Akins Kinte, que li nos Cadernos Negros. Cito também, escritoras bem representativas no cenário, como minha velha amiga Miriam Alves, Esmeralda Ribeiro, a escritora Conceição Evaristo, Cidinha Da Silva, e outras tantas que trafegam com suas palavras no universo da literatura. As coisas estão acontecendo, e isso é muito importante para a nossa comunidade, tão desprovida de voz e vez.

MEMÓRIA DA NOITE REVISTADA E OUTROS POEMAS
significa um grande salto do muro do autoesquecimento em que eu estava mergulhado - embora escrevendo e atento à vida literária - neste tempo em que estamos. A vida é criação. Suar e criar. A literatura brasileira tem que ter nosso suor, e ainda, o nosso sangue contado, mesmo que em palavras roucas; pelo frio distanciamento que a História do nosso país nos relegou.


Ouça alguns poemas presentes em Memória da Noite, revisitada & outros poemas, de Abelardo Rodrigues

Ser Negro, na voz de Leko Moraes


Para ela, que perdeu o filho, na voz de Ruivo Lopes


A la Cruz e Sousa, na voz de Marciano Ventura



As gravações foram feitas no estúdio Tapete Vermelho
(11) 2381-4462, contato@tapetevermelho.com.br


Leia a reportagem da Revista Fórum/SPressoSP fez com Abelardo Rodrigues pela ocasião do lançamento de Memória da Noite, revisitada & outros poemas:


Marco da literatura negra paulistana, “Memória da Noite” é relançado

_______
 
 
Agenda
Lançamento: Memória da Noite, revisitada & outros poemas
Dia 10 de maio, sexta-feira, às 19h
Local: Ação Educativa - Rua General Jardim, 660, Vila Buarque-Centro, São Paulo
Entrada Franca


Confira a página do evento criada no facebook atualizada diariamente com novidades sobre este lançamento. Aproveite pra colocar na agenda e confirmar ali mesmo sua presença!



segunda-feira, 6 de maio de 2013

Literatura como "campo de batalha"


 Literatura como "campo de batalha"

A reportagem do jornal Brasil de Fato esteve presente no I Seminário de Literatura da Periferia, realizado entre os dias 15 e 17 de março no Centro Cultural da Juventude, na Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte de SP. O tema do primeira era Literatura da Periferia e Política e na roda estavam Nelson Maca (BlacKtude/Sarau Bem Black, BA), Diego Arias (Coletivo Cultura Sarau Poesia na Brasa) e eu. Depois da roda, a prosa continuou com a reportagem. Leiaí!  

Literatura como "campo de batalha"
Eduardo Sales de Lima, da Reportagem 

Periférica, divergente, marginal. Com o aumento, tanto da publicação de livros, como de espaços de poesia e outras atividades ligadas à arte, acumula-se também o debate em torno desse movimento, se é que se pode falar de um movimento de literatura da periferia. Existe na cidade de São Paulo cerca de 60 saraus contabilizados de modo não oficial.

Quanto à produção de livros, especialistas no assunto ponderam a dificuldade de contabilizar, mas existe um consenso de que na última década houve um salto vertiginoso, tanto de obras como de autores. De carona nesse contexto, entre os dias 15 e 17 de março ocorreu o I Seminário de Literatura da Periferia, principal atração da 1ª Feira Literária do Centro Cultural da Juventude Ruth Cardoso (CCJ), na cidade de São Paulo.

O evento promoveu o debate em torno da produção artística da periferia, apontando as novas possibilidades narrativas e poéticas em que as histórias e mesmo seus protagonistas diferenciam-se das grandes obras canônicas.

Da periferia, divergente

Sérgio Vaz

Um dos eixos das discussões questionava como as manifestações da literatura da periferia aproximam a produção literária (oral e escrita) e a ação política. Como disse o poeta Sérgio Vaz, do Sarau Cooperifa, ao Brasil de Fato, em janeiro passado, todas as nomenclaturas são boas: suburbana, alternativa, marginal, divergente. “Mas eu gosto de literatura periférica porque nos pertence. Assim como a literatura grega é feita pelos gregos, a literatura negra é feita pelos negros, a literatura periférica é feita pela periferia”, destacava.

Nelson Maca

Para Nelson Maca, professor da Universidade Católica de Salvador (Ucsal) e integrante do coletivo Blackitude, “literatura divergente” configura-se entre as melhores denominações para essa literatura não canônica. “Digo que é divergente porque o divergente deve divergir de algo que é canônico, que é o modelo. Qual é o modelo? Quem é que pode ir mais longe no Brasil? Pela lógica, é o homem, não a mulher; é o branco, e não o preto ou o vermelho; é o heterossexual e é o adulto, o cristão, e principalmente o católico. Quando a gente ataca esse padrão, a gente está divergindo”, explica.

Se proposta da poesia de Maca não é agradar ninguém, essa divergência tem que criar conflitos, pois, se não criá-los, não é divergência. Faz questão de ressaltar que admira autores como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Castro Alves, mas aponta a importância de se produzir histórias e personagens que têm a ver com o universo de pessoas como ele. “Quero mostrar que na escola se pode ler textos e livros diferentes, de assuntos que são difíceis. Falar de racismo, sexismo, homofobia, fazer um poema com um português coloquial, falar palavrão, tudo isso é tabu”, destaca.


O professor da Ucsal aponta para a importância de “territorializar” a produção artística dos textos. “Elegi falar de mim a partir da negritude. O meu território é a experiência do homem negro. Vamos supor que um grupo de escritores esteja escrevendo textos em que os protagonistas sejam homossexuais; é outro território”, explica.

Maca aponta que o “grande território brasileiro” é o território da burguesia, da elite, porque “tratam o Brasil como se fosse só deles”. “Os sem-terras, os homossexuais, todos tem que lutar pelo seu território, pela sua cultura”, completa.

Entrelaçado

Ruivo Lopes 

Seguindo a mesma linha de Nelson Maca, o ativista cultural Ruivo Lopes, organizador do Sarau da Ocupa em um prédio ocupado por famílias sem-teto, no centro de São Paulo, reforça que não é necessário negar a literatura dominante, retrato da elite da sociedade. “A gente pode aprender com essa literatura a identificar os elementos de injustiça e desigualdade e ressignificá-los em relação a nossos pressupostos: para a luta anti-rascista, anti-machista”, explica.

Entretanto, segundo ele, a produção literária deve sempre busca a qualidade artística, “a lapidação da palavra, do verso”.“[Os ricos, a elite, a grande mídia] Riem cinicamente pra gente todos os dias. Essa é uma artimanha. A gente pode sorrir com muita raiva. É o nosso cinismo se contrapondo a pressupostos de uma sociedade dominante. Mas a literatura também não precisa descartar o verso reto, o verso seco, o verso espinhoso”, ressalta Ruivo.

Neste sentido literatura e luta política se entrelaçam a ponto de formar um dread (penteado “rasta”). Tal metáfora, utilizada por Diego Arias, do Sarau da Brasa, reforça que a literatura da periferia sempre chega num ponto em que não é mais possível distinguir “o que é política do que é a criação artística”. Por ser formadora cultural, por se inserir nesse “campo de batalha”, a literatura periférica, divergente, marginal, “põe no papel” tudo aquilo que a sociedade em que vivemos não aceita enquanto pluralidade, segundo Ruivo Lopes.

Como já afirmou Sérgio Vaz, o âmbito desse “campo de batalha”, em muitos casos, se localiza entre os limites do bairro. “Se [a poesia] atingir outras pessoas, ótimo. Mas nossa ideia é mudar isso aqui. Interferir em nossa geografia, como diz o [poeta] Marcelino Freire”, aponta Vaz.

Efêmera

Paralelamente, além do texto escrito, a produção literária da periferia está nos saraus espalhados pela cidade, até mesmo no centro. “O espaço de encontros dos escritores da periferia tem sido os saraus. Aí se ouve os versos em primeira mão. Às vezes serve como teste, às vezes serve como afirmação, mas é o grande terreiro onde o escritor estabelece alguns diálogos”, descreve Ruivo Lopes.

Dessa forma Nelson Maca pondera que nem toda boa poesia “está em livro”. “Aprendemos que boa literatura precisa ser escrita, impressa somente. Há o porém de que a oralidade é efêmera, mas temos que recuperar essa coisa de falar e ouvir poesia, fazê-la ritmada, cantada”, reflete.

A partir de 2006 o poeta Hugo Paz começou a frequentar os saraus que funcionaram como uma porta de entrada para o mundo da poesia. “Tem muitas quebradas que eu não sabia que tinham movimentos culturais e têm. Eles querem ser ouvidos e a literatura é um instrumento de expressão. E um jovem que vê o outro recitando poesia ou escrevendo um livro sente-se motivado. Talvez na escola, a professora não tenha passado desse jeito a poesia e, nos saraus, os jovens começam a se envolver; é bacana”, afirma o poeta.

Entre o Estado e o mercado

Escritores descrevem os obstáculos à publicação de obras e ao reconhecimento de seus trabalhos

Hugo Paz

As obras produzidas pela periferia são publicadas e distribuídas, em sua maior parte, de forma autônoma ou por meio de poesia, ainda mais sendo um autor novo. Os saraus são uma saída, mas a imprensa ajuda na editoras próprias e independentes.“Conseguir uma editora é muito complicado porque elas não publicam divulgação”, pondera o poeta Hugo Paz.

Hugo publicou o livro Poesias da Verdade, no qual acredita que conseguiu se expressar de modo mais maduro, e que houve uma maior repercussão no ambiente artístico. Ele e a noiva participam de um quadro na rádio comunitária Cantareira, “Poesia é da hora, mano”, todo sábado.

Segundo Sérgio Vaz, a grande dificuldade é a distribuição. “Mas uma coisa que a gente tem em comum é que a gente é marreteiro, né cara. A gente vende em escola, em porta de teatro. A gente vai pra cima. Não muda muita coisa. A gente não fica esperando a livraria Saraiva ou a Livraria Cultura. Os livros estão lá, mas a gente vai atrás do leitor”, diz Vaz.

 
Diego Arias

Para Diego Arias, do Sarau da Brasa, do ponto de vista da economia política é preciso desvendar a estrutura de poder na qual os escritores se inserem atualmente. Se por um lado o mercado trata a criação literária como mercadoria, por outro lado o Estado, por meio de editais, segundo ele, trata a resistência dos autores como mercadoria também, e não os valoriza como deveria.

“Isso porque explora nossa mão-de-obra, qualificadíssima. Ele não vai contratar pessoas com a nossa formação e nossa experiência por um preço tão baixo quanto ele paga nos seus editais, tendo em conta que o poder público sabe que cada livro é feito a dedo e cada evento é muito bem preparado; eles sabem disso”, critica Diego.

Publicado originalmente em Brasil de Fato

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Literatura afrocentrada: Abelardo Rodrigues retorna com seu Memória da Noite revisitada & outros poemas




Esforço de uma parceria coletiva entre Ciclo Continuo, Axé Produções, Coletivo Cultural Esperança Garcia, Sarau Elo da Corrente, 5º Elemento, Coletivo Perifatividade, o escritor e poeta negro Abelardo Rodrigues vai apresentar seu Memória da Noite, revisitada & outros poemas, no próximo dia 10 de maio, sexta-feira, às 19h, na Ação Educativa (R. General Jardim, nº 660, Vila Buarque-Centro, SP). Lançado originalmente no conturbado final da década de setenta, o livro é uma obra significativa na história intelectual do negro paulistano que à época teve repercussão e causou impacto em toda uma geração literária afrocentrada. A nova edição apresenta, 35 anos depois, os textos e poemas da primeira edição revisitados, e também poemas inétidos. 

Na noite de lançamento, além da seção de autógrafos, teremos leituras de poemas do autor, exposição, projeção de imagens e a participação de Denna Hill e Henrique Elói nos agraciando com um requintado repertório musical.
 
Confira a página do evento criada no facebook atualizada diariamente com novidades sobre este lançamento. Aproveite pra colocar na agenda e confirmar ali mesmo sua presença!

Abelardo Rodrigues em sua casa na zona leste de SP

Abelardo Rodrigues nasceu em Monte Azul Paulista (SP), em 1952, e mora na zona leste paulistana a mais de 30 anos. Publicou Memória da Noite (Ed. do Autor, 1978). Foi co-fundador da antologia Cadernos Negros, junto com Oswaldo de Camargo, Paulo Colina, Cuti e Jorge Lescano. Tem participação na premiada antologia Axé – Antologia Contemporânea da poesia negra (Org. Paulo Colina, 1982), O Negro Escrito (Oswaldo de Camargo, 1987) e tem diversos textos publicados em revistas norte – americanas e alemãs; é um poeta muito representativo na cena da literatura negro brasileira, e sem dúvida, figura como escritor essencial para a literatura produzida pela coletividade negra paulistana.

  
Abelardo Rodrigues e Oswaldo de Camargo: literatura afrocentrada
(Foto: Leko Moraes)
 
Sobre o poeta de Memória da Noite, o também poeta, escritor e jornalista Oswaldo de Camargo destaca que:

(...) O livro de Abelardo Rodrigues (Monte Azul Paulista (SP), 1951), salvo equívoco nosso, já se acha inserido neste conluio dos mais ricos na história intelectual do negro paulistano. O poeta de Memória da Noite já se estriba em poetas negros com "obra".

(...) Abelardo Rodrigues é um dos poucos poetas negros que, com um livro só, foi notado e ficou. Ativista desta Literatura, sua atitude literária apontava, de fato, mudanças, linguagem deslocada para exemplar modernidade, muitas vezes sopradas do exterior, da África.
Em Oswaldo de Camargo, O Negro Escrito - Apontamentos da presença do negro na literatura brasileira (1987), pág 99.

O também poeta Hélio Pinto Ferreira (in memorian), na ocasião da 1ª edição de Memória da Noite, imprimiu a seguinte apresentação:

A leitura de “Memória da Noite” do poeta Abelardo Rodrigues, que me confiou os originais, foi para mim muito gratificante. Como o nauta que depois de navegar por longo tempo avista a terra e grita – “terra à vista”! – trazendo toda a marinhagem à proa, posso dizer: - eis um poeta!

(...) Trata-se de um poeta de drama interior, profundamente vinculado ao ser. Sua poesia retrata a frustração do homem de cor, sua luta, seu sofrimento no contexto de uma sociedade que o repele.
 
 Sofrimento que lhe traz à tona o grito de uma poesia, digamos participante, cuja filiação sem qualquer influência nociva está em Arlindo Barbeitos e Agostinho Neto, dois altos valores da poesia africana em língua portuguesa.
 
Poeta voltado para as contundentes realidades do preconceito da cor, sua poesia é látego, um chicote na noite escura que abre luz em nosso intelecto...
 
O bom poeta realiza a sua poesia de maneira pessoal. Abelardo Rodrigues realizou a dele numa forma que mais sugere do que diz, num tecido de palavras em que se escuta o grito do homem de cor.
Leiamos, pois, os poemas de Abelardo.


Uma geração de intensa inquietação criativa: Abelardo Rodrigues, Paulo Colina, Oswaldo de Camargo e Arnaldo Xavier, em matéria sobre literatura negra (1987)

Paulo Colina dedicou um poema para o poeta de Memória da Noite:

Espreita noturna
para o poeta Abelardo Rodrigues

Tem sempre algo
de porre
na caída de sono
das pálpebras cansadas
da tarde,
e um dedo de raiva
na fuga do cimento
das colmeias
(raiva e medo),
e o princípio cego
das peregrinações
ao tudo e ao nada.
Há pontas de desespero
nas brasas insensíveis
dos cigarros
e um fio minguado
de esperança
para atiçar
o impossível calor
dos quartos vazios.
Tem sempre um rosto,
um corpo de mulher,
no fundo dos copos.
Há sempre uma tocaia
da morte
no seio insone da noite
e um sorriso de criança
rasgando o ventre virgem
das manhãs.

Alguns poemas de Abelardo Rodrigues:

A NOSSA VOZ ALTISSONANTE

Sobre o Manifesto Negro Contra o Racismo, em 07/07/1978
nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, organizado 

pelo MNUCDR (MNU) Movimento Negro Unificado.

Floresceram naquelas escadas
vozes irriquietas de negritudes
que foram punhos diretos
içados como velas de fogo
ao mar de silêncio e medo
que nos dominava.

Vozes que tremularam liberdades
antigas
republicanamente amoitadas
em 1888.
Discursos dos despossuídos
de vozes
juntando-se à Nação calada
sobre novas botas de silêncio
galgando do espanto branco
que passava
o medo e
a interrogação

Vozes brasileiras negras
secularmente amor-.
-daçadas
reerguendo-se
junto ao coro dos
calados:

A nossa presença
negra
presságio
dos bons
ventos
da
Liberdade
sonho coisificado
nas senzalas coloniais
do silêncio.


Poema publicado em Memória da noite, revisitada & outros poemas, 2013.


Garganta

Hoje
é preciso que tua garganta
do existir
esteja limpa
para que jorre
teu negrume.
Uma garganta não é corpo
flácido
É sangue escorrendo
em
leilão de cais.
Sua garganta,irmão
É uma quarta-feira
de cinzas.
 

Poema publicado em Cadernos Negros 3. Poemas. Quilombhoje, 1980.


Batalha

Um exército de palavras
se faz necessário
para o nosso querer.
E que façamos guerrilhas
contra essa calmaria geral.

Há que pintarmos
um novo quadro
de momentos
que foram eternidades
em nossa pele

Poema publicado em Axé - Antologia Contemporânea da Poesia Negra Brasileira - Paulo Colina (org), 1982. Publicação premiada como melhor livro de poesia do ano pela APCA - Associação Paulista de Críticos de Arte.


 

Bibliografia de Abelardo Rodrigues

Obra publicada

Memória da Noite - Ed. do autor, São José dos Campos.1978.

Participação em antologias

Cadernos Negros 2. São Paulo: Ed. dos Autores, 1979; Cadernos Negros 3. São Paulo: Ed. Dos Autores, 1980; Axé - Antologia da poesia negra contemporânea - org. Paulo Colina. São Paulo, Global Editora 1982; A Razão da Chama - Antologia de Poetas Negros Brasileiros - org. Oswaldo de Camargo. São Paulo:GRD,1986; Seminários de Literatura Brasileira - 3 ª Bienal Nestlé de Literatura - org. Leo Gibson Ribeiro, São Paulo: Bienal Nestlé de Literatura, 1986; O Negro Escrito – Apontamentos sobre a presença do negro na Literatura Brasileira – Oswaldo de Camargo. São Paulo: Edição da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo,1987; Cadernos Negros – Melhores Poemas – Márcio Barbosa/Esmeralda Ribeiro (org). São Paulo: Quilombhoje, 1998; Poesia Negra Brasileira – Zilá Bernd. Porto Alegre: AGE, 1992. Literatura e Afrodescendência no Brasil: Antologia Crítica, vol. 3. - Eduardo de Assis Duarte (org). Belo Horizonte: EditoraUFMG, 2011.

Publicações no Exterior

Callallo - Revista - norte-americana, 1980 vol 3; Caribe (A quarterly magazine) - Editor: Marta Moreno Vega/New York State Council on the Arts and the Nacional Endowment for the Arts, N.Y. (EUA), 1980; Ika - Zeitschriftfur Kulturaustausch und internationale Solidaritat, n.25: Stuttgard (R.F.A.),1984; Schwarze Prosa - Org.Moema Parente Augel - Edition Diá - Alemanha, 1988; Schwarze Poesie Poesia Negra (edição bilingue alemão/português) - org. Moema P. Augel – St.Gallen/Köln: Edition Diá, 1988; The Black Scholar - Word Within a Word, vol 19: N.Y. (EUA), 1988.

Capas de Memória da Noite: ontem (1978) e hoje (2013)

Coordenação Editorial – Marciano Ventura
Revisão: Camila Omena e Taís Lopes
Revisão Final: Oswaldo de Camargo
Capa: Edson Ikê
Edição e Produção: Ciclo Contínuo, Produtora Axé, Elo da Corrente, Col. Esperança Garcia,
                               Col. Perifatividade e 5º Elemento.

Apoio para o lançamento: Ação Educativa

______

Agenda
Lançamento: Memória da Noite, revisitada & outros poemas
Dia 10 de maio, sexta-feira, às 19h
Local: Ação Educativa - Rua General Jardim, 660, Vila Buarque-Centro, São Paulo
Entrada Franca