sexta-feira, 28 de junho de 2013

Em nome da prosa!



No clima das manifestações que tomam as ruas do país, policiais civis realizaram na última quarta-feira (26), uma batida na casa de um jovem morador de Itaboraí, no Rio de Janeiro. O jovem foi indiciado sob suspeita de formação de quadrilha, dano ao patrimônio, porte de artefato explosivo e tentativa de homicídios contra um policial militar agredido durante protestos na semana passada. A cena foi exibida em canais de televisão. O jovem teve a prisão temporária decretada pela justiça, mas até o momento ele não foi encontrado.

Na casa do jovem os policiais teriam apreendido fotos, cartazes e panfletos de temática punk anarquista com mensagens contra o racismo, contra o neonazifascismo, contra a guerra e contra o capitalismo. Os policiais teriam recolhido objetos de uso domésticos como facas e martelos. E teriam levado um soco inglês e um "nunchaku" (dois bastões pequenos conectados em seus fins por uma corda ou corrente). Nada ilegal.

O que chamou mesmo a atenção foi o fato de os policiais terem recolhido e apresentado o exemplar de um livro. A obra é na verdadeira uma verdadeira pérola da literatura norte-americano, o livro Mate-me, por favor, dos escritores e historiadores culturais Legs McNeil e Gillian McCain. A versão em português foi editada no Brasil por nada menos que a L&PM Edições, tendo sua primeira edição esgotada. Anunciada como sendo "uma história sem censura do punk" e dividida em dois volumes, a versão apreendida na casa do jovem é apenas o primeiro - o segundo volume da obra não foi apresentado -, reeditada na Coleção L&PM Pocket disponível até em bancas de jornais espalhadas por todo o país.

O livro Mate-me, por favor, conta a história da cena punk baseada em centenas de entrevistas com personagens bem conhecidos como Iggy Pop, Patti Smith, Dee Dee e Joey Ramone, Debbie Harry, Nico, Wayne Kramer, Danny Fields, Richard Hell e, claro, Malcolm MacLaren, responsável pela estética do Sex Pilstols. Algumas histórias reveladas por estes personagens ficaram bem conhecidas como a do então viciado Iggy Pop ter sido acolhido por David Bowe em sua casa por um tempo para se livrar das drogas.

O livro é descrito pela editora brasileira como sendo um mergulho nos camarins e nos apartamentos desses personagens para reviver o que começou nas entranhas de Nova York como uma pequena cena artística do final dos anos 1960 e início dos 1970 e se tornou um verdadeiro momento revolucionário da música. Mate-me, por favor começa quando os clubes CBGB e o Bowery eram uma legítima terra de ninguém e revive os dias de glória do Velvet Underground, Ramones, MC5, Stooges, New York Dolls, Television e Patti Smith Group.

O delegado carioca responsável pela batida na casa do jovem disse que o livro, além das fotos e cartazes apreendidos, demonstram "o perfil do suspeito", a ideologia dele frente a nação brasileira, de defesa da anarquia e sugere ainda que o jovem não teria participado de modo pacífico do protesto.

São bem conhecidas as histórias de perseguição da igreja católica a obras profanas e que levou muita gente pras fogueiras da santa inquisição, na idade média. Regimes fascistas e totalitários iluminaram noites com  fogueiras feitas de livros que consideravam obras degeneradas fruto da mente de livres pensadores perseguidos, presos e mortos em prisões ou fuzilamentos. Agentes da ditadura podiam invadir casas, prender, torturar e esfolar até a morte pessoas que tivessem, por exemplo, o clássico O Vermelho e o Negro, do escritor francês Stendhal ou qualquer coisa do tipo. Fica difícil explicar o teor de um romance quando se está num pau-de-arara. A verdade é que a brutalidade dos agentes que compõem o aparato repressivo do estado se dá exatamente pela insensibilidade e incapacidade deles de compreenderem a arte como expressão da liberdade. Na dúvida eles prendem, esfolam e queimam.

O livro Mate-me, por favor tem uma conclusão um tanto polêmica no meio cultural, porque a certa altura os autores decretam a morte do punk, que para eles ocorre quando a cena se torna manchete de jornais e uma nova onda juvenil, mercadológica é absorvida pelo sistema. Não se trata de um livro de teoria anarquista, bem longe disso, são histórias até muito engraçadas. Um retrato de uma cena, de uma geração e muitas micro-briografias contadas e contestadas umas pelas outras. A repercussão da apreensão do livro pela policia pode impulsionar a venda de mais um punhado de exemplares. Isso aumentará também as chances de você ter um em casa, na estante ou na mochila, nem que seja por curiosidade. Fica o recado, caso a obra entre pra alguma lista dos livros proibidos.

Aliás, aí uma acusação ainda a ser feita. Quem seria o responsável pela morte do punk, se é que morreu? A prova pode estar no segundo volume de Mate-me, por favor, o que não teria sido encontrado pelos policiais na casa do jovem. Neste momento, ele deve tá rodando por aí. Fato é que sem ele, não será possível contar o final desta história.

Mate-me, por favor, volumes 1 e 2

domingo, 23 de junho de 2013

Partido Alto: unidos venceremos!




Reunidos no quintal da Escola de Samba Unidos Venceremos, velhos bambas formaram em roda a tradicional assembléia geral do Partido Alto. Instrumentos na mão, os partideiros, como sempre, não estavam indiferentes ao que acontecia nos últimas dias. Eles guardavam a sabedoria dos mais velhos e o entusiasmo dos mais jovens. Previam que daqueles dias poderia sair samba e prestaram atenção. Antes do ziriguidum comer no tamborim, os puxadores começaram a analisar parte das alegorias e enredos que tomaram as principais avenidas dos país. Eles perceberam que as alas vermelhas e pretas foram sendo aos poucos engolidas por uma onda esquisita na qual se destacava o tradicional verde, amarelo, os azuis e muito branco.

Bons da cabeça, na cadência do samba e com a experiência de quem nunca adoeceu do pé, os partideiros logo chegaram a um consenso.

- Não se pode levar o bloco pra avenida sem apresentar nenhuma surpresa, tampouco improvisar o enredo no meio do caminho. Lembra daquela escola que apareceu na televisão antes da hora e já comemorava a vitória? Pois é. Já pensou se alguém rouba nossas alegorias e o nosso enredo... comé que fica? Questionou o primeiro.

- Pra brilhar na avenida tem que ter surpresa. O povo tem que conquistar a avenida de surpresa. Nos outros anos foi assim. Não levamos, mas também não nos levaram de lá. Fizemos bonito e nos convencemos de que aquele era o caminho certo. E é. De lá pra cá fizemos ainda melhor. Mas na miúda. Disse o outro, enquanto afinava o tom do cavaquinho.

- A boa Escola é aquela que aparece primeiro no seu quintal. Tem que ganhar primeiro no chão de terra batida e arrastar o bloco nas ruas acidentadas. O coro do samba enredo tem que começar aqui. Ganha na avenida quem primeiro ganhar na rua. Tem que experimentar tem que ensaiar. Assim, no sapatinho. O resto é entregar os pontos pros adversários de graça. Concluiu o terceiro.

Pra fechar o encaminhamento e indicar que o consenso ali era geral, cada partideiro levantou seu copo e em seguida viraram ligeiramente um gole pro santo e numa tagalada só lavaram a garganta e a alma. Partideiro véio não se engana nem se deixa enganar. A cara torcida e o desabafo quente eram sinais de que a água ardente era de rara qualidade. E quem é louco de servir cachaça batizada pra bamba. Santo nenhum aceita. Copo batido na mesa, o tamborim começou a soar. Só parou de tocar quando o galo cantou. Já era manhã de um novo dia.  

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Das ruas eu não saio não!



A última postagem neste blog tinha sido feita minutos antes do ato contra o aumento das passagens do dia 13 e que foi marcado pela violência policial. Apenas uma semana separa os con-textos. Ao contrário do que possa parecer, a cidade não acolheu aquela multidão que até então não se comportava como se tivesse indo a copa, na final entre a seleção brasileira e um time qualquer. É justamente esta a multidão que a Avenida Paulista acolheu.
 
A pauta contra o aumento das passagens dos transportes na cidade de São Paulo começou a ruir depois da violência policial cometida naquele dia. A repercussão foi grande e provocou manifestações em outras cidades do país.

A mudança da postura na cobertura da imprensa dominante deu não só uma nova cara pro ato, trouxe também para as ruas suas principais manchetes. Esta manobra não é nenhuma novidade. Óbvio, toda grande redação do país é também um partido político conservador.

O que poderia ter sido comemorado como uma vitória popular considerável contra a intransigência política, foi anunciado então como sendo "só o começo". Porém, bem distante da tarifa zero, a principal reivindicação do movimento que iniciou os protestos em SP.

Não demorou e deu logo para ver o que também havia começado. Na Avenida Paulista ontem presenciei alguns indícios. Assim que a faixa Contra a Política de Genocídio da Juventude, sempre presente nas ruas, foi aberta, um grupo protegido por neonazistas avançou e começou a dizer que eram "brasileiros com muito orgulho e com muito amor", "sem partido" e outras palavras de ordem tão vazias quanto um copo meio cheio.

Um homem enrolado numa bandeira do Brasil chegou por trás de mim e perguntou se eu era de algum partido político. Aproveitei que havia gente ali registrando tudo e disse a ele que não falo com racista. Com um sorriso de hiena, ele então voltou para seu posto e junto a outros puxou o grito "Ei, PT vai tomar no cú", sendo logo seguido pelo grupo que ele ajudava a proteger. Não era apenas uma questão de partido  político, longe disso.

Em um pequeno grupo, começamos então a puxar outro grito: "Racistas, fascistas não passarão" e a partir daí fomos ainda mais hostilizados. Seguramos a faixa até sermos expulsos daquele lugar pela primeira vez. Naquele momento, havia crianças segurando a faixa com a gente também.

Nos juntamos novamente a manifestação e, mais a frente, abrimos a faixa mais uma vez. Pouco depois, o mesmo grupo protegido pelos mesmos neonazistas que tinha ficado para trás conseguiu alcançar novamente a faixa, desta vez, agredindo covardemente as pessoas pelas costas com as hastes das bandeiras do Brasil, deram patadas e rolou até spray de pimenta. Outras pessoas foram atingidas com garrafas cheias no rosto lançadas das laterais da avenida.

Recolhemos a faixa definitivamente. Aplaudidos, o bloco protegido por neonazistas avançou sem problema algum pela avenida.

Parados na calçada, vendo a banda passar, líamos as mensagens dos cartazes e faixas nada ingênuos. Uma mulher com uma camisa vermelha levou uma bandeirada do Brasil na cabeça de um homem branco que tinha o dobro do seu tamanho, hiper-bem-alimentado. Ela chama ele de reacionário, em vão. Ecos da história. Lamentamos a manobra.

Tenho dito que as ruas são palcos de disputas permanentes. Diluídas no cotidiano, as contradições ficam mais visíveis quando a população está concentrada e tensionada. A cidade, como espaço político, é território dos conflitos. Ou eles se tornam visíveis na ocupação do espaço público ou eles se tornam menos visíveis no espaço privado. Tanto faz, os conflitos continuarão existindo.

Pode ser o clima da copa, pode ser aventura, pode ser arriscado, pode ser desfile, pode ser válvula de escape, pode ser desabafo, pode ser oportunismo, pode ser oportunidade, pode ser que dê certo, pode ser que não, pode ser aprendizado, pode ser lição, pode ser encantamento, pode ser desencantamento, pode ser partido amador, pode ser sem partido profissional, pode ser movimento, pode ser massa, pode ser a primeira vez, poder militante, pode ser uma onda, pode ser marola, pode ser civil, pode ser militarizado, pode ser público, pode ser privado, pode ser cavalo de pau, pode ser contramão, pode ser por direitos, pode ser por privilégios, pode ser bem intencionado, pode ser recalcado, pode ser midiotizado, pode ser muito barulho, pode ser quente, pode ser molhado, pode ser fogo, pode ser palha, pode ser sem violência, pode ser violentado, pode ser meio vazio, pode ser poder ser, mas com certeza não é por nada. Afinal, ninguém é neutro na multidão em movimento.

Fato é que senti alguns golpes hoje cedo. Vale a pena refletir, sim. Mas das ruas, como sempre, eu não saio não!

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Pontos para os atos contra o aumento das passagens em SP


Se a tarifa não baixar, a cidade vai parar!


Os grandes atos organizados contra o aumento das passagens em São Paulo têm marcado pontos importantes dos quais ligeiramente destaco: 1) A capacidade crescente de mobilização social entorno de uma pauta comum; 2) O ensaio de um xeque-mate em quem aprecia a democracia nos limites e conforto dos salões; e, 3)  Desafia a hegemonia da imprensa dominante, quando manifestantes cobrem e apresentam pontos até então invisíveis de dentro dos fatos.

Não é novidade o aumento da passagem dos transportes coletivos em SP. Nos últimos anos, o período em que ocorre os reajustes da tarifa tem sido marcado por manifestações contrárias ao aumento e junto vem a exigência por melhorias significativas no sistema de transporte coletivo para a população. A tarifa zero, que parecia impossível, entrou na pauta e já começa ser discutida, agora no campo da sua viabilidade ou não. Parece pouco, mas não é. As pessoas na rua consideram caro a tarifa e avaliam como sendo péssimo o serviço prestado pelas empresas de transportes coletivos. Todos os dias, milhares de pessoas perdem horas em trânsito, saem muito cedo e voltam muito tarde para casa, esperam muito e ainda vão espremidas nos transportes coletivos. As empresas dos transportes lucram muito e quem sofre é a população. É justamente essa insatisfação que alimenta as manifestações que tem tomado as ruas de SP. Mas não só. Há também um desejo real e compartilhado de participação no processo político no qual nenhuma cidade pode abrir mão. Um desejo de ser visto e ouvido no espaço público da cidade. Aliás, a salvação das cidades está na participação política da sua população, sobretudo, substituindo a paisagem do trânsito e seus veículos nas ruas por pessoas. As exigências que emergem das ruas é para acordar os poderosos acomodados no poder.

Para alguns políticos de plantão, lotados em gabinetes e redações, a democracia parece ser boa quando ela faz barulho apenas no quintal do vizinho. Prefeito e governador, cada um do seu modo, demonstram insatisfação com a cobrança feita nas ruas. Enquanto Haddad desqualifica a legitimidade e o caráter democrático do ato, Alckmin criminaliza e autoriza a violência policial, que, aliás, lhe é muito característica.  Os dois vêem nos atos a inconveniência de milhares de pessoas cobrarem nas ruas da cidade a revogação de uma decisão política tomada por eles em gabinetes. Se levar para as ruas o debate sobre uma questão que afeta a grande maioria da população de SP não for democrático, então, prefeito e governador devem avaliar seus conceitos.

A imprensa dominante massificou uma impressão dos atos que não é verdadeira. As manchetes dos principais jornais impressos inverteram a ordem dos fatos. É a Polícia Militar que sempre entra em confronto com quem participa dos atos, ferindo até quem passa perto da manifestação, e não o contrário. É a velha e conhecida estratégia de instaurar o consenso fabricado. As emissoras de tevê seguiram a mesma lógica e exibiram apenas aquilo que está alinhado ao poder dos editoriais. Nem a rádio escapou. Os donos da verdade queriam as suas versões dos fatos nas ruas. Graças à tecnologia digital, portátil e redes virtuais, centenas de pessoas que participaram dos atos relataram em textos e imagens o que aconteceu de dentro da manifestação. Através delas, é possível identificar a violência praticada por policiais militares fortemente armados contra uma multidão de manifestantes desarmadas. Comparar um batalhão armado portando espingardas de balas de borracha, bombas, gás de pimenta, cassetetes de borracha e de madeira com indivíduos que eventualmente revidam a violência policial com uma pedra ou ateiam fogo em um saco de lixo é um exercício de convencia que quando repetido mil vezes, infelizmente, pode pegar.  Contudo, a regra desta comparação é que as vitimas é sempre da violência policial.

Os grandes atos organizados contra o aumento das passagens em SP têm marcado pontos importantes porque tem gerado um incontrolável - isso sim! -, protagonismo social nas ruas. São Paulo deveria acolher melhor essa multidão. 



Assista como a PM reprimiu o 3º Grande Ato
Contra o Aumento das Passagens em SP,
realizado no dia 11 de junho

domingo, 9 de junho de 2013

Funk: Cultura e Arte X preconceito e criminalização





Mas não me bate doutor
Porque eu sou de batalha
Eu acho que o senhor tá cometendo uma falha (...)

(...)
E se um mar de rosas virá um mar de sangue
Você pode ter certeza, vão botar a culpa no funk

trechos de Não me bate doutor, de Cidinho e Doca


O jornal O Globo, do dia 25 de maio, destacou a chegada do funk na classe média carioca. O óbvio é que a novidade apresenta o que já se sabia desde o tempo em que o samba do morro virou bossa nova no calçadão de Ipanema. Vale destacar que no jornal, a reportagem esta abrigada no caderno Rio!

A frase que inicia a reportagem é lapidar: "O batidão foi descendo, descendo, até chegar, hoje, ao chão dos melhores endereços da cidade". Nota-se que este "melhores" aí, sugere uma oposição aos endereços de origem dos MCs destacados na reportagem. 

As jornalistas que assinam a reportagem foram generosas e fizeram o favor de deixar tudo muito bem explicadinho pros leitores da zona sul compreender como funciona o funk, nascido e criado nos morros, favelas e periferias cariocas. Até então parecia muito fácil discriminá-lo e, sobretudo, criminalizá-lo em reportagens policialescas, mas descobriram que não é bem assim. Pelo menos quando convém. Na matéria, elas revelam que o funk abriga, incorpora e dialoga com outros estilos e fontes musicais, sempre acompanhados por coreografias próprias, complexas que não deixam nada a dever pro que é ensinado em qualquer escola de dança "dos melhores endereços da cidade". O funk é sofisticado, na fusão, não perde a raiz, na coreografia, canta o corpo. As afirmações aqui ficam por minha conta.

Assim, patricinhos e patricinhas recem-iniciados no ritmo do momento não vão fazer feio no salão quando estiverem embalados pelo pancadão numa boate do lado sul do mapa carioca. Enquanto seus pais estiverem tranqüilos, encastelados num condomínio fechado ou jantando num restaurante famoso localizados nos "melhores endereços da cidade", seus filhos estarão embalados no que a reportagem chama de batidão, pancadão light, ou versão "família". 

O Globo, é claro, não dá ponto sem nó e puxa pra si parte da responsabilidade pela classe média carioca se encantar com o funk. E reinvidica seus pontos na história. Na reportagem são citados programas da própria emissora em que MCs já se apresentaram e sucessos emplacados em trilha sonora de novelas. 

Artistas que tem em comum os morros, favelas e periferias cariocas como berço e devotam todo seu aprendizado a sua origem, conquistaram o público em suas comunidades e, principalmente, na internet onde seus clipes são assistidos por milhares de pessoas. Artistas que vieram de uma produção totalmente independente e agora colhem cachês polpudos recebidos em maratonas de apresentações que realizam por noite. 

São jovens de origem pobre, todos negros na sua maioria - só pra lembrar! -, que estão dando certo, trabalham duro, começaram a ganhar muito dinheiro, sustentam suas famílias e consomem nas mesmas lojas exclusivas da classe media, localizadas também nos "melhores endereços da cidade". 

A primeira vista, a reportagem tenta apresentar um tom conciliador bem característico das interpretações que as elites sempre fizeram dos conflitos sociais que ainda hoje marcam a sociedade brasileira. Um tom de integração, através da Arte. Talvez um desejo de O Globo imprimir pra seus leitores um rosto pra chamada nova classe média. Talvez um retoque na vitrine de vidro na qual fica em exposição ao mundo os brasis divididos em “piores” e “melhores endereços da cidade” carioca. Brasis dos quais as elites esperam sempre que apenas um lado seja "bem comportado". Não é a toa que a frase que inicia a matéria é construída num discurso de oposição velada. Aquele batidão, apelido pro "funk light", não é o pancadão, associado sempre a "apologia às drogas, às armas e ao tráfico", como a própria reportagem sugere e lá mesmo no texto  arrisca já ser coisa do passado. 

O caminho esconde a paisagem. A descida pro chão dos “melhores endereços da cidade” é a dos morros, favelas e periferias. Caminhos trilhados por jovens funkeiros e funkeiras que estão fazendo a vida na cidade maravilhosa as custas da sua Arte. Jovens que estão entrando pra outras estatísticas que não a do Mapa da Violência. E isso parece incomodar a classe média tradicional, digamos assim. Por mais que aparente pacificador, expressão de guerra importado pelas elites políticas cariocas e que estampa também as páginas de O Globo, o Rio de Janeiro continua sendo a velha cidade partida de sempre.

 Assista aqui o Rap da felicidade, de Mc Cidinho e Doca

Se não é O Globo, são os leitores nos comentários da reportagem que rompem com qualquer possibilidade de cordialidade, outra marca das elites brasileiras. Alguns comentários lembram que apesar de tudo, o pobre, mesmo com dinheiro, ainda tem seu lugar.

Em meio a centenas de comentários de leitores de O Globo, exibidos logo em seguida da reportagem, não foi difícil selecionar alguns deles que demonstram o quanto há de racismo, discriminação, preconceito, hostilidade e ódio nas elites mesmo quando o assunto parece tratar apenas de Cultura e Arte, esse campo minado coberto de flores.

Lá vai:

Música de bandidos feita para bandidos. Não me surpreende que gente de morro goste disso. A casa da minha mãe na Tijuca ficava perto de favela e é um suplício morar perto da escória, LC.


Triste notícia! Quase dez milhões de clic´s com mentalidade favelizada (...).  Viva a impunidade (...), V.


Assim como a imprensa local faz com as favelas, tentando convencer as pessoas que é um lugar igual aos outros (...), tentam desesperadamente convencer que o funk faz parte da cultura carioca. Não adianta, a esmagadora maioria das pessoas não se sentem representadas pelo funk, não diz respeito ao estilo de vida das pessoas que não vivem a realidade das favelas. Não é porque alguns adolescentes da zona sul estão gostando que isso quer dizer que foi aceito, RA.


Vamos combinar que funk é coisa de gente...porca, CA.


Não vou criticar esta baixaria para não dar IBOPE a estes coitados, RC.


Classe média era eu, essa gente é, e sempre será, classe baixa. A classe média tem horror a funk e não deixa suas crianças perderem o senso crítico disso. Estas moças da foto não são em nada diferentes de bailarinas de prostíbulos. E os rapazes, filhos de mães assim. Além de pena me dão nojo, BC.


Para quem já teve a bossa nova como referência, isso soa mais como uma tribo de indígenas, JM.


Daqui um pouco pagaremos o "Bolsa Funk", WVDT.


Funk carioca é lixo. Não é cultura. Não adianta, Globo, vocês não vão conseguir empurrar goela abaixo esta porcaria na população pensante e de classe média. Não adianta ,Globo, a sociedade pensante do Rio não assiste a "Ixquenta " e não ouve Funk. Não adianta insistir. Nós ainda pensamos e temos bom gosto. Favor não insisttir com lixo de funk. Nossa mente não é favelada. Grato, F.


Lixo, esgoto cultural da pior qualidade, C.


Não é a classe média tradicional, e sim a nova classe média que adora esse tipo de porcaria barulhenta e sem conteúdo, FR.


O Congo fica no Rio de Janeiro.... (...) Não obstante o funk ser um ritmo originalmente criado pelos "niggers" americanos na década de 60 por James Brown, a versão tupiniquim copiada pelos M.A.C.AC.O.S. de imitação dos favelados do Rio é um verdadeiro de circo de aberrações hilariantes, EC.


A influência negra na música já foi mais aproveitável, hj se resume a drogas e pornografia - seja aqui ou seja nos EUA, C.


Serei curto e grosso: pesquisem se européias e americanas gostam de funk principalmente o tal pancadão...elas tem cérebro...Aliás, não só as mulheres, os homens também. Já no Brasil, MTAP.


Muito triste essa noticia!com esses favelados ganhando dinheiro, vai aumentar muito o consumo de cocaina!, MM.


Funck - carioca - é cultura? Cultura de verdade tem relação com a Arte, que desperta o melhor do ser humano. Mesmo o rock pesado nos estimulava a uma mudança de entendimento do mundo com objetivo de muda-lo. Os valores do funck - carioca - vão de incitação a violência, ao rebaixamento da mulher e a vida em comunidades pobres como opção de vida e não como necessidade. Cultura liberta, educa e conscientiza. É por isso que essas comunidades são onde mais se elegem os políticos corruptos, AC.


Assista aqui Som de preto, de Amilcka e Chocolate

Deixo aqui um alerta, a visão crítica do mundo que nos cerca é necessária. Nenhuma estrutura, seja ela física ou mental, deve parecer impossível de ser transformada. Cultura e Arte, quando irmanadas, são fundamentais pra reflexão sobre tantas questões individuais e coletivas que cercam cada um de nós. Entendo que Cultura e Arte estão umbilicalmente ligadas a busca incessante por Justiça. É um campo minado porque Cultura, Arte e Justiça estão em constante disputa numa sociedade desigual como a brasileira. Quando você for fazer alguma crítica do funk, assegure-se de qual lado do campo minado da Cultura e da Arte ela esta lançando você. Reflita, porque amanhã o alvo das injustiças poderá ser você.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Ocupa Sarau na Praça Zumbi dos Palmares




Neste domingo, dia 9 de junho, a partir das 13h, vai acontecer mais um edição do Ocupa Sarau: a periferia vista na bolinha do olho. A novidade é que será realizado na Praça Zumbi dos Palmares, localizada na Avenida Inajar de Souza, bem próximo do Terminal da Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte de SP. Veja detalhes de como chegar aqui.

A ideia é ocupar esta pequena praça, que leva o none de uma grande referência na luta por liberdade do povo negro no Brasil, com muitas manifestações arteiras da cultura que faz a nossa cabeça na periferia. Por isso, a ocupação da praça é uma ação cultural coletiva na qual estão participando vários grupos e pessoas dedicados as mais variadas linguagens arteiras.

Na programação: varal de xilo, grafite, Carrinho de Mãoteca, Editora Quilombola, stencil pra identificar a Praça Zumbi dos Palamares, discotecagem, venda, troca e distribuição de livros e outros materiais, pique-nique comunitário e espaço aberto para intervenções diversas.

Presenças confirmadas...

Na poesia: Thiago Gonzales (Santana), Karen Rego (Cachoeirinha), Cláudio Cákis (Suzano), Celinha Reis (Pompeia), Ana Fonseca e Paulo Rams, Perifatividade (Fundão do Ipiranga), Messias (Pirituba), Felipe Nagô (Brasilândia), Renata Prado (Itaim Paulista), Sonia Regina Bischain (Brasilândia), Fuzzil & Deeanto (Capão Redondo), Ruivo Lopes (Centro), Indy Naíse (Butantã), Lu'z Ribeiro (Guarapiranga), Luís Felipe Lucena (Mundão), Fanti Manumilde (Heliópolis).

No rap: ZoioOmc (Brasilândia), Mc Trexx (Jd. Pery), Mano Réu (Brasilândia), Flávio Casimiro (Jd. Pery), D'Grand'Stilo (Heliópolis), Robson - Conteúdo Majestoso (Brasilândia), Jenny (Cachoeirinha).

No cadência: Samba do Congo (Brasilândia-Morro Grande).

No grafite: Caiana, Alemck e Mild - CANIL (São José dos Campos), Bruno Perê (Jabaquara), Dimy - Somos Pobre (Vila Penteado), Isis Flores (Jaçanã), Ed Lincoln (Pirituba).

Na xilogravura: Jardélio Santos (Vila Souza).

Circo: Hélio Gonçalves Costa (São Bernardo).

Na fotografia: Elaine Campos (Centro).

Na discotecagem: Dodo (Bairro do Limão) e DJ Canelês (Brasilândia).

Na organização: Chellmí, Projeto Espremedor, Amanda Prado e Banca Subterrâneo.