quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A chacina de cada dia

 

A tradição autoritária do Brasil vem de longe. Atravessou séculos. Conviveu em diferentes períodos e regimes, sempre conforme as conveniências dos donos do poder.

Ora dissimulada, ora explícita, o autoritarismo soube muito bem viver à sombra e ao sol, não necessariamente nessa ordem. Impregnou as instituições do país, onde se acomodou sem dificuldade. E assim fez escola.

A democracia brasileira já passou da sua maioridade e se não quiser ficar presa à tradição autoritária precisa assumir sua responsabilidade e agir como uma democracia, garantindo a sua população historicamente marginalizada o direito a vida com dignidade. É bom que seja aqui e agora.

No Brasil, os donos do poder sempre impuseram o cinismo da conciliação e comemoraram rompimentos consentidos. Qualquer um que ousasse sair da regra era abatido pela exceção.

Há anos a Polícia Militar é denunciada pelos seus desvios, excessos e principalmente pelo seu alto grau de violência e letalidade. O Estado brasileiro, várias vezes e em diferentes governos, teve que dar explicações a organismos internacionais de defesa dos direitos humanos sobre casos de violência cometidos por PMs nos vários estados do país. O Conselho de Defesa dos Direitos Humanos da ONU chegou a pedir a extinção da PM. Violência policial, portanto, não é nenhuma novidade por aqui.

No ano passado, os meios de comunicação de massa propagaram uma matemática perversa: a contagem de corpos baleados em ações envolvendo PMs. Esperava-se cada manhã para saber quantos haviam sido assassinados na noite anterior. Enquanto organizações sociais e populares cobravam investigação e ações efetivas contra o genocídio, o governo do estado queria apenas a queda dos números de mortos quando não referendava a ação letal da PM através de pronunciamentos belicosos como "Quem não reagiu está vivo", do próprio governador Geraldo Alckmin.

A chacina cometida no último dia 4, que matou sete pessoas e deixou dois feridos, num bar, no bairro Jardim Rosana, na região do Campo Limpo, zona sul de São Paulo, é chocante (ao menos para mim que não me acostumo com a banalidade do mal!).

A descrição até o momento da chacina chama atenção e pelo histórico levanta óbvia suspeita. Fala-se em pelo menos quatorze homens encapuzados dirigindo carros não identificados e mais de cinqüenta disparos de tiros.

Além disso, a rua onde aconteceu a chacina é a mesma onde em novembro uma pessoa registrou cinco PMs tirando de casa um servente de pedreiro já dominado e matando ele a tiros na rua. As imagens foram exibidas na televisão. Qualquer semelhança não é mera coincidência, já que este fato foi levantado logo que ocorreu a chacina, chegando até a se pensar que o autor das imagens pudesse estar entre os mortos. Nenhuma coincidência também no perfil das vitimas e no contexto onde a chacina ocorreu.

Das 24 chacinas registradas só no ano passado, apenas uma foi solucionada, levando seis PMs para a prisão.

Está aí o alimento do autoritarismo que ainda faz tanta gente chorar.

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