domingo, 15 de setembro de 2013

Racismo nas histórias em quadrinhos brasileiras



 A literatura como manifestação artística ao mesmo tempo é reflexo e também reflete valores culturais de  determinada sociedade. Estes valores são impressos pelo topo da hierarquia social. Uma sociedade excludente como a brasileira reproduz os valores que determinam a exclusão nas suas manifestações artísticas, tensionando o campo da cultura. Quando o assunto é racismo, a literatura e gêneros literários não saem ilesos. Vejamos o que revela uma pesquisa recente sobre como a população negra é retratada nas histórias em quadrinho (HQs) no Brasil.

O professor Nobuyoshi Chinen, pesquisador da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, destacou a estereotipização na forma como os negros são retratados nas histórias em quadrinhos (HQ) brasileiras desde o final do século 19. As informações fazem parte do seu estudo de doutorado histórias em quadrinhos publicadas no Brasil desde 1869, considerando como publicação inicial o título “Nhô Quim”, de Angelo Agostini, até publicações de 2011. “Elas tendiam a homogeneizar o aspecto visual dos personagens”, diz Chinen, que também participa do Observatório de Quadrinhos da ECA.

Os estereótipos foram identificados não só nos aspectos visuais, mas também nos papéis desempenhados nas histórias, em comparação com os personagens brancos. “Invariavelmente [os negros] eram subalternos, intelectualmente limitados e socialmente desfavorecidos” conta.

Chinen também procurou outros tipos de publicações para avaliar o papel dos negros nos quadrinhos. “Achei que devia dar um contexto mais amplo e me preocupei em incluir um breve histórico da iconografia do negro nas artes visuais, desde a primeira pintura a representar um negro no Brasil, em tela feita pelo holandês Frans Post, até as caricaturas e charges do Período Imperial.”

O pesquisador encontrou mais personagens negros do que inicialmente esperado. A representação, no entanto, não é, ainda, ideal. “Embora o panorama geral tenha mudado de uns tempos para cá, penso que ainda há poucos personagens negros nos quadrinhos brasileiros e menos ainda os que têm papel de protagonista” diz.

As HQ têm como algumas de suas bases a caricatura e o humor. Isso, em algumas vezes, se dá com o reforço de traços exagerados e com generalizações. Para Chinen, “o perigo dos estereótipos é quando o público passa a achar que determinado tipo de figuração é normal, quando na verdade é ofensiva. É da natureza do humor construir situações que requerem uma dose de crueldade perpetrada sobre o outro e o limite entre o fazer rir e o humilhar é extremamente sutil”.

A representação equivocada de negros nas HQ, para o pesquisador, auxilia, como todo produto de comunicação em massa, a perpetuação de preconceitos e o racismo. O professor acredita que trabalhos como o seu ajudam a debater o racismo presente nas representações do negro na sociedade. “A princípio eu tentei evitar uma abordagem que fugisse do âmbito das histórias em quadrinhos, mas no decorrer da pesquisa, compreendi que não dava para ignorar os aspectos sociopolíticos e a questão da identidade”.

Acesse a tese de doutorado O papel do negro e o negro no papel: representação e representatividade dos afrodescendentes nos quadrinhos brasileiros, de Nobuyoshi Chinen, aqui! 

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