quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Urgências da USP

Os recentes acontecimentos na USP, no geral (ou pelo menos o estopim da vez), foram provocados pelo descontentamento de estudantes com a presença repressiva da PM no compus universitário. Este descontentamento resultou na ocupação da reitoria pelos estudantes, logo reintegrada por ordem judicial - determinada pela Justiça! -, cumprida pelo forte aparato armado da PM, vem suscitando algum barulho, mas não o debate necessário sobre o papel da universidade pública numa sociedade desigual e injusta como a brasileira.
Marcio Moreira Alves, no livro "Torturas e torturados" (1967), publicado em plena ditadura, já nos convidava para uma reflexão que, nas entrelinhas, permanece atual. Diz ele no livro:

A pergunta que normalmente se faz quando surgem revelações de torturas, pergunta que Jean Paul Sartre repete no prefácio que escreveu para o depoimento de Henri Alleg no livro 'La Question' é: "como é possível que isso aconteça entre nós?"
A resposta é simples - é possível acontecer acontecendo, como sempre aconteceu. Se a polícia rotineiramente tortura criminosos comuns, por que não seriam torturados os presos políticos? Se militares, pela primeira vez colocando em prática o que leram dos métodos dos "Green-Berets" norte-americanos ou dos "Parás" franceses, não foram punidos por seus superiores, por que não prosseguiriam no emprego destes métodos?
Tudo é singelo, tudo é mecânico, até mesmo o esquecimento em que as denúncias caem após o primeiro e ineficiente impulso de indignação.
É preciso, para que purifiquemos a mancha que a tortura joga sobre todos nós, não apenas que se punam os oficiais e policiais responsáveis pelo seviciamento de homens e mulheres entregues à sua guarda como se acabe, de uma vez por todas, com o sistema de brutalidade montado nas prisões brasileiras. É preciso, sobretudo, que se guarde na lembrança das gerações futuras os crimes cometidos, para que sua repetição se torne impossível.


Seria preciso levar em consideração os contextos. Como se sabe, na ditadura, o Estado é absoluto na execução das próprias leis. Já na democracia, em linhas gerais, o sentido do Estado está na participação e no exercício pleno da cidadania. Não é exagero dizer que nossa democracia é insuficiente. Mesmo assim, violações de direitos cometidas na democracia é um grave atentado aos direitos coletivos.
Pois bem, numa democracia, manifestações nunca são demais. Dentre as contribuições para o debate sobre o que vem ocorrendo na USP, destaca-se a da urbanista, professora e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik, que em artigo publicado no seu blog coloca as questões no lugar certo. Afinal "o campus faz parte ou não da cidade? queremos ou não que o campus faça parte da cidade?", questiona. Vale lembrar que o viário da USP vem servindo para motoristas da região oeste "cortar caminho" que os levam para outras regiões da cidade. Ônibus e trens também contribuem para arejamento do campus universitário em relação à cidade.
A USP não e uma ilha, portanto, qualquer ligação com a universidade não garante status de maior cidadania em relação aqueles que não estão ligados a ela. Logo, violações de direitos cometidas no interior da universidade são tão graves quanto violações cometidas em qualquer canto da cidade e vice versa.
A presença da PM na USP deve ser entendida como prática de um estado policial em marcha em São Paulo. O estado policial atende demandas sociais como caso de polícia. O próprio governador orgulha-se de dizer que o efetivo policial no Estado é de 100 mil homens armados. Logo, a presença da PM na USP é tão ostensiva e hostil quanto na chamada Operação Saturação, promovida pela Secretaria de Segurança Pública, que invade favelas da periferia da cidade barbarizando quem encontrar pela frente.
A PM, entendida como parte do sistema de segurança pública, é um engodo autoritário respaldado pelas determinações da Justiça. Instituições que tem contribuído para a manutenção de dois tipos de cidadania que vigoram ilegalmente no país: a dos ricos e dos pobres.
A maior depredação sistemática ao patrimônio público praticado na USP é a lenta, gradual e restrita participação da maioria da população que é privada dos direitos por se ter na cidade de São Paulo uma das mais importantes universidades do mundo.
Afinal, que universidade pública – ou seja, coletiva! - queremos? Para que a queremos e a quem ela servirá?
Questões que todos ligados ou não a USP devem encarar.

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