segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Rolezinhos: a juventude grita ‘nós existimos’




“Como posso te identificar na matéria”, perguntei. “Poeta e educador, pode ser?”, me respondeu Ruivo Lopes. Em seu blog ele pede emprestada a música “Apenas um rapaz latino americano”, de Belchior, para se descrever.

Apesar da modéstia, Ruivo atua em várias frentes. É participante do “Coletivo Perifatividade”, que promove sarais na periferia de São Paulo, apresenta programas de rádio em emissoras comunitárias e teve poemas publicados em seis livros lançados por coletivos culturais.

Ruivo é desses que acredita. Acredita na cultura da periferia, nos jovens e no debate sobre a cidade. Nessa entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, ele fala sobre os rolezinhos e como ele pode ajudar no debate da ocupação do espaço público da cidade por seus moradores.

Por Bruno Pavan, Brasil de Fato

O rolezinho é um fenômeno relativamente novo para São Paulo e pode ser analisado pela ótica da ocupação do espaço na cidade. Como que você analisa esse ponto?
Os rolezinhos estão longe de ser um problema, é uma questão que temos que nos debruçar sobretudo no aspecto da participação dessa juventude. Nesse ponto eles contribuíram muito não só levando esse questionamento para o espaço público, mas também para o espaço, os shoppings centers, que sempre estiveram blindados. Quem vai ao shopping, independente da classe social que está inserida e do que consome, circula num espaço de fato social, está participando da cidade. O que pode ser apontado é que não existe somente essa forma mercadológica de participação, existe a participação política, cultural... O que se tem levado com os rolezinhos é um questionamento da afirmação, sobretudo de uma juventude pobre e negra, que é uma parcela significativa da cidade. Essa ocupação dos shoppings dessa maneira quer passar a mensagem de ‘nós existimos’ mas, como os empresários só conseguem entender essa lógica mercadológica, quem não consome não tem status de cidadão. Eles se mostram surdos e mudos aos desejos dessa juventude. Esse é o embate: dos empresários contra o direito que essa população tem de ocupar esses espaços. A sociedade precisa deste questionamento.

 Policiais revistam jovens que participaram de rolezinho 
em shopping de Itaquera, na zona leste de São Paulo 
[Foto: Robson Ventura/Folhapress]

Os rolezinhos acabaram nascendo como resposta a uma proibição dos bailes funks na periferia da cidade. Como você vê essa cultura proibitiva presente na discussão sobre a cidade?
Não vejo a proibição como caminho pra nada. Essa cultura acaba restringindo direitos fundamentais como acesso a cultura, a convivência e, por fim, o direito a cidade propriamente dita. Atinge em cheio uma parcela da população que está à margem. Essa lógica prioriza a privatização do espaço de forma discriminatória, não só de classe, mas também de cor, e só agravam os problemas da sociedade brasileira. Historicamente ocupar o espaço público sempre foi o conflito, o combate no sentido democrático e engana-se quem pensa que a juventude a periferia não consegue se organizar. Essa iniciativa é tão importante quanto os movimentos sociais organizados. Os jovens escancaram essa luta quando ocupam um espaço que sempre determinou quem pôde entrar e o que vão fazer. Eles estão afirmando que nem tudo nessa cidade é mercadoria, ‘nós também queremos espaços que possamos conviver, nos conhecer, beijar’. Eles querem se mostrar, o que vestem, o que pensam. Quando a cidade e os empresários não acolhem esse juventude, é eles que estão errados e precisam ser questionados, não a juventude. Os rolezinhos mostram que há uma alternativa pra cidade, que são locais para convivência, de aceso ao público, é isso que vai tornar São Paulo melhor pra todo mundo

Como aconteceu nas manifestações do ano passado, você acredita que as liminares que proibiram a entrada dos jovens no JK Iguatemi e a violência da PM em Itaquera deram aos rolezinhos um tamanho maior?
A lógica proibicionista tem mostrado que quanto mais se endurece a repressão, mais se acontece aquilo que se está proibindo. Então quando se restringe um valor, como o de ir e vir, que é muito caro a sociedade brasileira, há uma resposta. O que tem acontecido por parte da justiça e da PM é o avesso do que esses jovens estão buscando como alternativa.  Os protestos contra a tarifa de ônibus tem relação porque é um direito de circulação pela cidade o quê aquelas pessoas pediram. Os participantes dos rolezinhos querem o direito de frequentar um espaço de acesso público de São Paulo. É preciso trazer essa juventude para a gestão política da cidade, esse é o recado. E quem conseguir colher isso vai fazer de São Paulo um lugar muito mais democrático.

 Movimentos sociais promovem rolezinho contra o racismo, 
o preconceito e a discriminação no shopping JK Iguatemi, 
na zona oeste de SP [Foto: Uneafro]

Os donos de shoppings marcaram uma reunião com o governador Geraldo Alckmin pedindo que o governo do estado crie “rolezódromos”, que seriam locais para conter esse avanço dos rolezinhos nos shoppings. Como você vê essa postura de empresários e governo?
Completamente equivocada. O governador deveria entender o processo todo com sua equipe e só depois disso se posicionar como governo. Infelizmente essa postura democrática e aberta não condiz com a postura do governo Alckmin. Ele recebe os empresários com uma pauta já pronta que defende o espaço privado e protege sua mercadoria.  Criar ‘rolezódromos’ chega a ser uma ofensa! Não é isso que esses jovens estão pedindo. Espaços assim querem passar a ideia de que existem locais para manifestações. A população deve decidir o que fazer com a cidade e o governante tem que dialogar com isso. Esses espaços vão segregar ainda mais e já mostram uma incompreensão dessa demanda. Não é trazendo o empresário pra mesa que o governador vai chegar a uma solução, é trazendo essa discussão pras ruas, ele não vai resolver isso de seu gabinete. Não vejo isso como a solução correta.

Publicado originalmente em Brasil de Fato.

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