quarta-feira, 3 de junho de 2015

Dona Selma Maria de Jesus ou simplesmente Carolina!


Dona Selma, no Sarau União das Vilas, zona leste de SP

Recentemente, estive no Seminário Territorialidades de Carolina, organizado pela escritora Cidinha da Silva e pelo padre Mauro Luis da Silva, no Museu de Quilombos e Favelas Urbanos (MUQUIFU), localizado no Morro do Papagaio, em Belo Horizonte (MG). Minha participação foi provocada pelo tema "Carolina, escritora e catadora dos anos 1950 e sua relação com as catadoras de material reciclável do século XXI".

Carolina Maria de Jesus, mulher, negra, mãe que durante muitos anos sustentou a si e os filhos catando papel e vivendo na extinta favela do Canindé, na contramão do seletivo progresso paulista, então a todo vapor no início dos anos 1950 do século passado.

Invejável escritora, fenômeno de vendas no Brasil e no exterior na década seguinte, Carolina não catava só papel, catava também livro, fazia leitura e devolvia em forma de literatura a sua história e os pedaços das histórias da sua gente.

O "diário de uma favelada" de Carolina Maria de Jesus despertou a curiosidade mórbida da elite paulista por revelar segredos do "Quarto de despejo", o "exótico" cotidiano popular na literatura da época, escrito na primeira pessoa, desprezado na "sala de estar" do lado rico da cidade de São Paulo.

No Brasil do século XXI, na contramão do desenvolvimento graúdo, estima-se que há entre 400 mil e 600 mil catadoras e catadores que vivem da coleta de materiais recicláveis, dos quais uma parcela significativa é composta por mulheres, negras, mães, empobrecidas e moradoras das periferias dos grandes centros urbanos.

Particularmente, no caso das mulheres, donas de casa e chefes de família, elas catam mais do que materiais recicláveis, recolhem também pedaços da própria dignidade espoliada pelos efeitos da exclusão e como Carolina também "sonham" com um vida melhor.

Dona Selma era mulher de fé e catadora com muita dignidade, fazia parte da Cooperativa de Reciclagem Nova Esperança, na periferia da zona leste da Capital mais rica do país. Na vida, ela praticava o cooperativismo que tinha mudado a vida dela e de tantas outras pessoas Brasil afora que sustentam suas famílias em Cooperativas de Reciclagem espalhadas pelo país. Uma revolução silenciosa composta por laços de solidariedade e apoio mútuo, lemas do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, um dos movimentos sociais mais importantes hoje no país.

Dos tempos da favela do Canindé para as Cooperativas de Reciclagem de hoje muita coisa mudou. Se estivesse viva, Carolina incluiria os nomes de muitos políticos mesquinhos e "gente de bens" nos seus diários. Dona Selma tinha fé que catadores e catadoras de materiais recicláveis ocupam um lugar digno na sociedade brasileira, mesmo com todas as dificuldades, e ajudam a escrever a história de um Brasil mais justo, mais igualitário e com menos exclusão.

Dona Selma chamava-se Selma Maria da Silva e também era uma Carolina!

Um comentário:

Sheila Duarte disse...

Fernando quero dizer Ruivo Lopes nós testemunhamos o que um projeto de vida faz com uma pessoa, como isto preenche um sentido para a ação, para seu coração e mente. D. Selma conseguia ver isto e não se sabotava, mas abraçava o conhecimento, as experiências que ela estava vivendo. Foi muito gratificante conviver com ela. Mais que isto, como um projeto coletivo é capaz de ser uma experiência enriquecedora, mas que nem todos são capazes de enxergar e lutar por isto e dona Selma era visionária e destemida. Vai Carolina ampliar seus horizontes que este mundo é pouco para uma alma tão vasta!!! Deixou Saudades e uma buraco... e pobres de nós!!!