segunda-feira, 2 de julho de 2012

Aquilombemos!


... Como foram ousados, serei da minha parte, ousado também
Tenho o dever de falar porque não sou cúmplice
Calado, minhas noites seriam assombradas pelas memórias
Da gene que projetava na vida, sombras de esperança...
poema Quem tem medo da verdade


Recentemente fui convidado pra gravar um depoimento pro documentário Quilombos Culturais. O documentário nasceu como trabalho de conclusão de curso na área de comunicação e pretende exceder os formalismos acadêmicos por registrar parte da movimentação cultural periférica expressa nos saraus de poesia e literatura marginal realizados por coletivos da periferia de São Paulo. O caminho que o documentário tomou parece ter sofrido influência da temática que se propõem documentar! O mestre Solano Trindade já afirmava que quando se trata de cultura popular, "é preciso beber na fonte e devolver ao povo em forma de arte"!
O documentário está em fase de produção. É possível encontrar a equipe realizadora presente nos saraus da periferia de São Paulo, seja disparando versos, seja gravando, conversando com quem dispara poemas, fazendo anotações e marcando entrevistas.
Foi assim que eu conheci primeiro o Igor Carvalho e o Max Santiago numa noite de sábado no Sarau Perifatividade e já no ponto e na volta de ônibus trocamos ideias sobre cultura, literatura, saraus, periferia e o protagonismo marcante da literatura marginal periférica. Depois, conheci também a Priscila Santos e a Elisabete Aguiar também da equipe. De lá pra cá, não paramos de nos encontrar.
O documentário vem sendo produzido na raça, no suor e na fé de quem não está usando a lente pra manter uma distância do protagonismo cultural registrado, até porque é comum membros da equipe disparar poemas nos saraus que os acolhe como poetas e não documentaristas.


O documentário vai registrar alguns saraus e alguns perfis de poetas e poetisas da perferia de São Paulo. Meu depoimento pro documentário teve um significado muito forte pra mim. Primeiro pela escolha do local da gravação. A equipe se empenhou e conseguiu autorização pra gravar no inteiror do Memorial da Resistência de São Paulo, local que abrigou durante muito anos o Deops-SP (Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo), um dos principais centros de prisão e tortura da polícia política durante a ditadura militar. O local abriga hoje um museu que preserva parte da história e da memória da luta contra a repressão política em São Paulo. Lá estão disponíveis pra visita as celas onde ficaram presos políticos, breve cronologia da história Brasil e documentos do movimentos estudantil e cultural apreendidos pela censura.
Conheci muita gente que tinha passado maus momentos naquele lugar durante a ditadura. Alguns deles registraram seus nomes nas paredes de uma das celas. Histórias de pessoas que ainda hoje me emociono só de lembrar. Tem gente que não está mais ao nosso lado na caminhada da vida, mas está presente na nossa luta diária contra todas as formas de opressão cometida pelos donos do poder, pelo Estado e principalmente seu braço armado que são as polícias.
Uma geração de homens e mulheres que deram o melhor da sua juventude pra mudar o mundo pra melhor. E por ousar querer mudar o mundo pagaram com o corpo e com a alma, alguns com a própria sombra.


Não foi fácil falar sobre a minha caminhada, até porque sempre me confundi com quem esteve todo tempo ao meu lado. Sempre fui a primeira pessoa do plural e talvez por isso sempre tivesse com quem me aliar com dignidade, respeito, humildade. Falar de mim, portanto é falar da gente! E falar da gente é falar de todo mundo que compõe a caminhada!
No meu depoimento pro documentário, falei sobre minhas memórias que eu mesmo nunca tinha ouvido, por isso mesmo me surpreendi. Falei das minhas influências, praticamente figuras humanas e acolhedoras. Falei sobre o Sarau da Ocupa que hoje apresento na Ocupação São João, e que é a periferia no centro nervoso de São Paulo! Assim como tudo que já fiz, apresentar o Sarau no contexto da luta pela moradia não é mero acaso. É parte da atual caminhada!
Além das memórias, disparei o poema Quem tem medo da verdade que denuncia velhos torturadores e anuncia a chegada da verdade porque só ela pode levar a justiça.

Equipe realizadora do documentário Quilombos Culturais

O Quilombo do título do documentário parece querer anunciar o sentido de refúgio libertador, acolhimento entre os iguais, fortalecimento na presença física, no companheirismo, na exaltação da memória dos ausentes, na cumplicidade pela palavra escrita e falada e na resistência pra manter o espaço livre da cultura excludente e dominante. Aquilobemos!

[Fotos equipe Quilombos Culturais]

Nenhum comentário: