sexta-feira, 28 de junho de 2013

Em nome da prosa!



No clima das manifestações que tomam as ruas do país, policiais civis realizaram na última quarta-feira (26), uma batida na casa de um jovem morador de Itaboraí, no Rio de Janeiro. O jovem foi indiciado sob suspeita de formação de quadrilha, dano ao patrimônio, porte de artefato explosivo e tentativa de homicídios contra um policial militar agredido durante protestos na semana passada. A cena foi exibida em canais de televisão. O jovem teve a prisão temporária decretada pela justiça, mas até o momento ele não foi encontrado.

Na casa do jovem os policiais teriam apreendido fotos, cartazes e panfletos de temática punk anarquista com mensagens contra o racismo, contra o neonazifascismo, contra a guerra e contra o capitalismo. Os policiais teriam recolhido objetos de uso domésticos como facas e martelos. E teriam levado um soco inglês e um "nunchaku" (dois bastões pequenos conectados em seus fins por uma corda ou corrente). Nada ilegal.

O que chamou mesmo a atenção foi o fato de os policiais terem recolhido e apresentado o exemplar de um livro. A obra é na verdadeira uma verdadeira pérola da literatura norte-americano, o livro Mate-me, por favor, dos escritores e historiadores culturais Legs McNeil e Gillian McCain. A versão em português foi editada no Brasil por nada menos que a L&PM Edições, tendo sua primeira edição esgotada. Anunciada como sendo "uma história sem censura do punk" e dividida em dois volumes, a versão apreendida na casa do jovem é apenas o primeiro - o segundo volume da obra não foi apresentado -, reeditada na Coleção L&PM Pocket disponível até em bancas de jornais espalhadas por todo o país.

O livro Mate-me, por favor, conta a história da cena punk baseada em centenas de entrevistas com personagens bem conhecidos como Iggy Pop, Patti Smith, Dee Dee e Joey Ramone, Debbie Harry, Nico, Wayne Kramer, Danny Fields, Richard Hell e, claro, Malcolm MacLaren, responsável pela estética do Sex Pilstols. Algumas histórias reveladas por estes personagens ficaram bem conhecidas como a do então viciado Iggy Pop ter sido acolhido por David Bowe em sua casa por um tempo para se livrar das drogas.

O livro é descrito pela editora brasileira como sendo um mergulho nos camarins e nos apartamentos desses personagens para reviver o que começou nas entranhas de Nova York como uma pequena cena artística do final dos anos 1960 e início dos 1970 e se tornou um verdadeiro momento revolucionário da música. Mate-me, por favor começa quando os clubes CBGB e o Bowery eram uma legítima terra de ninguém e revive os dias de glória do Velvet Underground, Ramones, MC5, Stooges, New York Dolls, Television e Patti Smith Group.

O delegado carioca responsável pela batida na casa do jovem disse que o livro, além das fotos e cartazes apreendidos, demonstram "o perfil do suspeito", a ideologia dele frente a nação brasileira, de defesa da anarquia e sugere ainda que o jovem não teria participado de modo pacífico do protesto.

São bem conhecidas as histórias de perseguição da igreja católica a obras profanas e que levou muita gente pras fogueiras da santa inquisição, na idade média. Regimes fascistas e totalitários iluminaram noites com  fogueiras feitas de livros que consideravam obras degeneradas fruto da mente de livres pensadores perseguidos, presos e mortos em prisões ou fuzilamentos. Agentes da ditadura podiam invadir casas, prender, torturar e esfolar até a morte pessoas que tivessem, por exemplo, o clássico O Vermelho e o Negro, do escritor francês Stendhal ou qualquer coisa do tipo. Fica difícil explicar o teor de um romance quando se está num pau-de-arara. A verdade é que a brutalidade dos agentes que compõem o aparato repressivo do estado se dá exatamente pela insensibilidade e incapacidade deles de compreenderem a arte como expressão da liberdade. Na dúvida eles prendem, esfolam e queimam.

O livro Mate-me, por favor tem uma conclusão um tanto polêmica no meio cultural, porque a certa altura os autores decretam a morte do punk, que para eles ocorre quando a cena se torna manchete de jornais e uma nova onda juvenil, mercadológica é absorvida pelo sistema. Não se trata de um livro de teoria anarquista, bem longe disso, são histórias até muito engraçadas. Um retrato de uma cena, de uma geração e muitas micro-briografias contadas e contestadas umas pelas outras. A repercussão da apreensão do livro pela policia pode impulsionar a venda de mais um punhado de exemplares. Isso aumentará também as chances de você ter um em casa, na estante ou na mochila, nem que seja por curiosidade. Fica o recado, caso a obra entre pra alguma lista dos livros proibidos.

Aliás, aí uma acusação ainda a ser feita. Quem seria o responsável pela morte do punk, se é que morreu? A prova pode estar no segundo volume de Mate-me, por favor, o que não teria sido encontrado pelos policiais na casa do jovem. Neste momento, ele deve tá rodando por aí. Fato é que sem ele, não será possível contar o final desta história.

Mate-me, por favor, volumes 1 e 2

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