domingo, 6 de setembro de 2015

A universalidade dos versos em "Rua de Trás", da escritora Sonia Regina Bischain



Escrevi o texto a seguir exclusivamente para o Prefácio da 2ª edição do livro "Rua de Trás", da escritora Sonia Regina Bischain. O texto é fruto da leitura e audição da diversidade de vozes ainda silenciadas na literatura brasileira. Boa leitura!

Sonia Regina Bischain, Rua de Trás, 2ª Edição, São Paulo, Maio, 2015.

Prefácio por Ruivo Lopes

A literatura brasileira tem uma dívida com as mulheres. No campo literário, quando são autoras, as mulheres são invisibilizadas pela presença preponderante de autores homens. Nas obras escritas por autoras, as personagens mulheres além de protagonistas são também construídas sem os estereótipos que lhes são atribuídos frequentemente pelos autores homens. Quando são escritoras conscientes da ação cultural desempenhada pela literatura, as mulheres têm seu papel subvertido como quem deseja pela ficção transformar a realidade, assim, afirmam sua existência na busca pela visibilidade negada e o protagonismo na construção da sua própria dignidade. Visibilidade e protagonismo são elementos fundamentais para uma escrita libertadora.

O ato de escrever é também o de anunciar um mundo não só tal como ele é mas também como ele poderia ser. É o que faz a escritora Sonia Regina Bischain, em Rua de Trás, primeiro livro de poemas da autora publicado em 2009, em coautoria com a escritora Bárbara Lopes, e que agora tem a 2ª edição, além de autoral, revisitada e acrescida de poemas inéditos que revelam a maturidade de uma escritora que faz da literatura a extensão da própria vida.

Quero falar um pouco das pessoas
que conheci, que admirei
que me ensinaram a ser quem sou.
Não falo de coincidências ou mero acaso.
Mas sim, de fatos de fato.
Quero, portanto e apenas,
contar algumas histórias,
antes que se apague
toda a memória. (pág. 13)

Quando foi lançado em 2009, em tiragem modesta, no contexto dos saraus Poesia na Brasa e Elo da Corrente, localizados respectivamente nos bairros de Brasilândia e Pirituba, periferias das zonas Norte e Oeste de São Paulo, Rua de Trás revelava uma escritora sensivelmente humana, partícipe dos fatos, dedicada a vida e a sua gente. A humanidade é o fio condutor da poesia comprometida de Sônia Regina Bischain.

“procura-se: esperança, solidariedade,
bondade, confiança, generosidade”. (pág. 27)

Na primeira edição, a autora, além dos poemas, assina também o projeto gráfico, e nele imprime sua visão de mundo em fotomontagem que compõem a capa do livro. Nela, a cidade assume camadas sociais diferentes, sendo a base a estrutura típica dos centros urbanos representadas pelos edifícios verticalizados cujo colorido destaca esculturas de arte a céu aberto, ao fundo e se sobrepondo em maior escala aparece a típica paisagem das periferias cujas construções modestas beiram o córrego ao centro da imagem, sem colorido, só o contrates do preto e branco, assumindo o tom cinza e melancólico das margens da cidade. Coerente com a poética presente em cada um dos seus verso, Sonia Regina Bischain reserva a terceira e última camada da fotomontagem para um horizonte amarelado, sugerindo um entardecer de mais um dia suado, sucedido pelas esperanças cotidianas “do lado de cá do Tietê”, o rio que divide o Centro da Zona Norte paulistana. É no horizonte que está a redenção de quem encontrou morada na Rua de Trás.

Que acendam todas as luzes
da cultura, da educação, da saúde,
de todos os direitos elementares
de todos os homens.
Que seja dia!
Que venha o dia! (pág. 24)

Há algo incomum e também em comum na apresentação da primeira edição que permeia todo o livro. O incomum é o livro trazer duas apresentações, uma do poeta Vagner Souza, e outra da poeta Raquel Almeida, ambos integrantes dos  saraus já mencionados nesta nova apresentação. Em comum, estão os referenciais usados por ambos para situar o leitor e a leitora no livro. O lugar de fala da autora, a persistência dos sonhos ainda a se realizarem, a reivindicação da memória como condição de existência, a urgência dos tempos, a esperança de um futuro inevitável, as duras lições da história que unem e também separam gerações, são enunciados para a poética de Sonia Regina Bischain.

A 2ª edição de Rua de Trás vem de novo a lume após a autora ter publicado dois romances “Nem tudo é silêncio” (2010) e “Vale dos Atalhos” (2013). Os poemas acrescidos a esta nova edição foram escritos entre a publicação dos dois romances e apesar da diferença no gênero, é possível encontrar diálogo entre a prosa e a poesia da autora.

Como se já não bastasse a sensibilidade poética da autora na precisão do conteúdo e da forma dos seus versos, o que garante a ela uma estética própria, Sonia Regina Bischain provoca no leitor e na leitora a sensibilidade imagética das fotografias autorais, isso quando não promove o casamento do texto com a imagem, imprimindo seu olhar poético que enriquece o livro. Assim, as imagens parecem acolher o verso sobreposto e potencializado na leitura conjunta, um apelo à memória e ao não esquecimento.

De sorte algumas palavras
semeadas em campo fértil deram frutos, me
saciaram de beleza, me mataram a fome e a sede
de conhecimento, me encheram de esperança e
coragem. Passo adiante, a qualquer tempo:
palavras. Para quem quiser: palavras que
alimentam, fazem sonhar, e distraem o tempo. (pág. 14)

Na poesia de Sonia Regina Bischain os ninguéns da história são chamados pelos nomes “Carlos”, o jovem negro, órfão, pobre e lindo que morreu de meningite e “Leandro”, vitima do preconceito da nossa sociedade. A autora também rende sua femenagens a duas mulheres igualmente humanas, a cantora argentina Mercedes Sosa, a voz da latinoamerica, morta em 2009, e a médica brasileira Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança, morta em 2010, no terremoto que devastou Porto Príncipe, capital do Haiti. Há também odes a “Família”, iniciada com a trajetória de “Duas mulheres”, passa pela despedida de “Djalma”, até chegar no “Autoretrato” da autora.

O lugar também ocupa espaço basilar na poesia de Sonia Regina Bischain, misturando-se organicamente a autora. Ora ela remonta o espaço vivido como se fosse um quebra-cabeça em “Como era bela a rua de trás” (pág. 46) seguido de “A rua da frente e a rua de trás” (pág. 119). Ora é o lugar que localiza e, assim, remonta a vida da autora.

Firmei minhas raízes
planto palavras
Aqui, neste meu lugar  (pág. 87).

Enfim, eis a poesia de Sonia Regina Bischain, ancorada nos sonhos e esperanças que nasceram no breve e intenso século XX - alguns poemas datados ainda da conturbada e dura década de 70, outros das décadas seguintes, lembrando um tempo que continua hostil a utopia e ao novo -, permanecem vivos e pulsantes neste limiar do século XXI, ainda fértil de possibilidades no horizonte.

Ao versar a Rua de Trás, Sonia Regina Bischain é universal!

Adquirira seu exemplar diretamente com a autora: soniabischain@hotmail.com

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